segunda-feira, 15 de maio de 2017

Delações contam uma história coerente e factível – Editorial | Valor Econômico

Se havia alguma dúvida sobre a engrenagem comandada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a fim de perpetuar o PT no poder, ela pode ter se desfeito com as delações do publicitário João Santana e de sua mulher, Mônica Moura. Os dois não só integraram o esquema, como por quase duas décadas mantiveram com Lula e com a ex-presidente Dilma Rousseff um "convívio íntimo".

À primeira vista, parecia exagerado o famoso power point do procurador Deltan Dallagnol que situava Lula no centro de uma organização que desviava recursos da Petrobras para abastecer campanhas políticas. Se as delações de João e Mônica correspondem aos fatos, Dallagnol foi até conservador. Segundo Mônica, Dilma também operou o esquema e atuou contra os interesses da Justiça, quando a Lava-Jato bateu às portas do Palácio do Planalto.

No discurso, Dilma falava que presidia um governo republicano. Por baixo dos panos, lançava mão de informações privilegiadas a que tinha acesso, por força do cargo, para instruir os passos de Santana e Mônica no exterior, onde os dois passavam o maior tempo possível por recomendação dela, a ex-presidente, na esperança de que pudessem ficar fora do alcance do longo braço da Lava-Jato. A Dilma agora só resta o discurso de que eles "faltaram com a verdade" - eufemismo a que recorre a ex-presidente para não dizer que os delatores pura e simplesmente mentiram.

Na véspera da divulgação do teor das delações, Lula depôs como réu perante o juiz Sérgio Moro, em Curitiba. O ex-presidente, a exemplo de Dilma, alega que é vítima de perseguição política por ter feito o melhor governo que o país já teve em sua história. Megalomania à parte, o problema de Lula e de sua pupila é que as delações escrevem uma narrativa - para usar uma expressão a gosto do PT - que faz sentido, tem lógica e conta uma história factível quando se cruzam diferentes versões para os mesmos episódios, como é o caso dos depoimentos do casal e dos executivos da Odebrecht.

Elas dizem que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci era o "Italiano", o principal elo de ligação entre as empreiteiras que integravam o esquema, especialmente a Odebrecht, e o ex-presidente. Entre Lula e Emílio Odebrecht, havia uma relação antiga que se intensificou após a descoberta do mensalão, o esquema de compra de votos para aprovar projetos do governo no Congresso, nos primeiros quatro anos do PT.

Perto do petrolão, pode-se dizer que o esquema do mensalão era uma coisa de "iniciantes" na relação incestuosa entre o público e o privado que desde priscas eras contamina a administração da coisa pública no país, à qual o PT se juntou com prazer.

João Santana disse que ouviu do "Italiano", quando foi convidado a trabalhar com Lula, que o ex-presidente era o chefe. Lula tinha a "palavra final de chefe", segundo os termos que teriam sido usadas por Palocci. Quando os pagamentos atrasavam e Santana tinha de recorrer à última instância, a "palavra final de chefe", era Palocci que Lula encarregava de resolver as dívidas. E ele resolvia.

Certa feita, o próprio Lula passou para Santana o telefone de Emílio Odebrecht para tratar de um pagamento via caixa 2, sendo que o experiente empreiteiro refugou dizendo preferir tratar do assunto diretamente com o "Italiano", ou seja, Palocci. As narrativas se completam. O que não parece coerente é a versão da defesa. É possível, por exemplo, que o Ministério Público Federal não disponha de provas materiais de que o tríplex do Guarujá era destinado a Lula, conforme depoimento de outro empreiteiro amigo, Leo Pinheiro. Mas não é crível que Pinheiro tenha se abalado com Lula ao Guarujá para vender o apartamento ao ex-presidente. Lula reduziu o dono da OAS a um corretor de imóveis no litoral paulista.

Mas há delações que deixariam sem saída seus protagonistas. Mônica contou que Dilma, informada pelo ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a avisou dos mandados de prisão expedidos contra o casal. Dilma rebateu com seu bordão favorito: a mulher de Santana "faltou com a verdade". Acontece que Cardozo, na sequência, disse que nada mais fez que cumprir com seu dever de ofício, ou seja, comunicar à presidente da República. Não só confirmou a versão de Mônica, portanto, como se resguardou para eventuais demandas judiciais. Dilma provavelmente será processada pelo Ministério Público.

Na reta final, os fatos tendem a se aproximar das versões na Lava-Jato.

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