Carolina Linhares | Folha de S. Paulo
BELO HORIZONTE - Levantamento feito pela Folha com base em relatos de delatores indica que empresas da Odebrecht abasteceram com R$ 323,5 milhões, entre 2009 e 2013, a espécie de conta-corrente entre o grupo e o PT. O crédito veio após interesses da empresa, como aprovação de medidas provisórias e obtenção de financiamento, serem atendidos.
Os repasses foram registrados em uma planilha chamada "Posição Programa Especial Italiano", uma referência ao ex-ministro Antonio Palocci –segundo as investigações, o principal interlocutor de Marcelo Odebrecht junto aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff até 2011, quando ele deixou a Casa Civil.
A planilha, que perdurou ao menos até 2014, teve início, segundo delatores, quando Palocci pediu dinheiro para a campanha municipal do PT em 2008. O herdeiro da Odebrecht respondeu que descontaria esse valor do total acertado como contribuição da empresa para a eleição presidencial de 2010.
Em 2011, de acordo com Marcelo, a gerência da conta Italiano passa para o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. O saldo da época foi reabastecido com R$ 127 milhões para financiar a campanha de Dilma em 2014, e a conta passou a se chamar Pós-Itália.
"A minha ideia foi de definir antecipadamente um valor global ao PT/governo federal para nos programarmos financeiramente e evitarmos pedidos pulverizados de contribuições", afirma Marcelo em sua delação.
Um ano antes, ele criara uma subconta, denominada Amigo, para bancar interesses de Lula. Ele diz que o crédito de R$ 35 milhões veio do que sobrou da contribuição da Odebrecht para a campanha de 2010 e bancou doações ao Instituto Lula e pagamentos em espécie.
CONTRAPARTIDAS
Segundo as delações, os primeiros créditos da planilha surgiram de pedidos de propina vindos de Palocci e Mantega por negócios em que a Odebrecht seria beneficiada: a ampliação do crédito para exportação a Angola e a aprovação de Medida Provisória (Refis da crise) com benefícios para a Braskem.
Marcelo diz que o valor das propinas, R$ 64 milhões e R$ 50 milhões respectivamente, foi decidido de forma arbitrária e não com base no ganho que a Odebrecht teria.
Os demais créditos da planilha, segundo o empreiteiro, também vieram de pleitos atendidos pelo governo, como outra MP, a venda do "Parque da Cidade" e o financiamento para o programa de desenvolvimento de submarinos (Prosub). Ainda assim, ele afirma que não se tratam de contrapartidas, pois não houve pedido de propina.
Marcelo afirma que os créditos serviam como lastro para que o governo atendesse o grupo Odebrecht nas mais variadas demandas –não somente naquelas que originaram a verba.
Ele reconhece, porém, que "apesar de não haver uma contrapartida específica, seguramente o atendimento à agenda de interesses das empresas do grupo era facilitado em virtude de pagamentos realizados ao PT e ao governo federal".
Sua delação traduz 36 anotações referentes à reuniões com Mantega na tentativa de listar quais pedidos foram atendidos. Apenas um aparece sanado, oito foram parcialmente acolhidos, 15 foram negados e não há informações sobre os demais.
O fato de haver contrapartidas difusas não impede, contudo, a condenação por corrupção. No julgamento do mensalão, em 2012, o Supremo Tribunal Federal não exigiu essa comprovação.
A partir das delações da Odebrecht, o STF autorizou inquéritos contra 98 pessoas. Elas podem ser denunciadas à Justiça, que pode acolher ou não a acusação.
OUTRO LADO
Antes de começar a negociar um acordo de delação, o ex-ministro Antonio Palocci disse à Justiça que o apelido Italiano não se refere a ele. Palocci negou que tenha pedido doações por meio de caixa dois à Odebrecht ou que tenha favorecido a empresa em troca de propina.
Ele afirmou que só reforçava pedido de contribuição de tesoureiros, mas não tratava de detalhes das doações. "Eu nunca operei contribuições".
Segundo Palocci, a Odebrecht jamais pediu contrapartidas e ele jamais deu "margem a que eles pensassem que era possível uma contrapartida vinculada a recurso de campanha".
Com as negociações para o acordo de delação, revelado pela Folha na última sexta (12), todas essas negativas podem mudar.
O ex-ministro Guido Mantega também já negou que seja o Pós-Itália e afirmou que as acusações de Marcelo Odebrecht são mentirosas. Sua defesa diz que ele não negociou repasses para o PT ou para a campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT).
O Instituto Lula disse que o ex-presidente nunca pediu valores indevidos à Odebrecht. "Lula não tem nenhuma relação com qualquer planilha na qual outros possam se referir a ele como 'Amigo'."
A defesa da ex-presidente Dilma afirma ser mentira que ela "tivesse conhecimento de quaisquer situações ilegais que pudessem envolver a Odebrecht".
A petista afirma que nunca recebeu propina ou se envolveu em atos de corrupção.
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