Le Pen tenta conquistar eleitores da esquerda e Macron reforça imagem de tolerância
- O Globo
-PARIS- A apenas uma semana do segundo turno na França — o primeiro sem um candidato dos dois principais partidos no país — a candidata da Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, tenta virar o jogo. Ontem, Le Pen fez uma visita surpresa aos funcionários de uma fábrica ameaçada de fechamento em Gardanne, no Sul, no momento que seu adversário, à frente nas pesquisas, Emmanuel Macron se reunia com sindicatos. A candidata da extremadireita ainda depositou flores no monumento aos deportados em Marselha — pouco antes de Macron visitar o Memorial do Holocausto — e, em uma entrevista ao jornal “Le Parisien”, explicou um dos pontos mais confusos de seu programa econômico: como sairá da zona do euro.
Macron, ex-ministro de Economia entre 2014 e 2016 e ex-banqueiro, tenta alavancar sua campanha depois de um início ruim, quando se viu superado por Le Pen, que soube se vender como uma candidata muito próxima ao povo. Mas desde o domingo, quando passou ao segundo turno como o mais votado — com 24,03% dos votos — o candidato de 39 anos vem caindo vários pontos, segundo as pesquisas, que lhe dão uma vitória ainda confortável, mas cada vez mais estreita: o último levantamento o coloca com 59% das intenções de voto contra 41% de sua rival, diferença bem menor do que alguns institutos previam inicialmente.
MÉLENCHON FALA SOBRE ERRO DE VOTAR NA FN
Ontem, o candidato, que já tem o apoio de representantes dos dois partidos tradicionais — do presidente socialista François Hollande e de boa parte dos Republicanos (centro-direita) — recebeu o reforço do ex-ministro centrista Jean-Louis Borloo. E o líder da extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon, que conseguiu 19,6% dos votos no primeiro turno, se pronunciou pela primeira vez contra o “terrível erro” de se votar em Le Pen, sem no entanto revelar se votará em branco ou em Macron.
— Não há ambiguidade na minha posição. Eu não votarei na Frente Nacional, eu combato a Frente Nacional. E digo a todos que me escutam: não cometam o terrível erro de colocar uma cédula de votação para a Frente Nacional.
Le Pen, por sua vez, anunciou no sábado que Nicolas Dupont-Aignan — candidato da direita eurofóbica, que terminou o primeiro turno em sexto lugar, com 4,7% dos votos — será o seu primeiro-ministro caso vença no dia 7 maio.
— A aliança entre os dois partidos de direita é simbolicamente importante, pois é a primeira vez que o FN formou um pacto com um partido político dominante — disse Hugh Schofield, correspondente da BBC em Paris.
Seguindo a agenda da campanha, Macron tentou ontem reforçar sua imagem de tolerância frente à de Le Pen e seu partido em uma homenagem realizada no Dia da Deportação na França — cujo regime colaboracionista contribuiu para mandar 200 mil judeus aos campos de extermínio.
— A homenagem que quis fazer hoje (ontem) é para mostrar este dever que temos com todas as vidas perdidas pelos extremos, pela barbárie — disse Macron, pedindo que atos como esses “não se reproduzam nunca mais”.
Os capítulos obscuros da ocupação nazista, em 1942, voltaram durante a campanha, com várias polêmicas em torno da FN — após declarações do pai de Marine e um dos fundadores da legenda, Jean-Marie Le Pen, e de Jean-François Jalkh, que teve que se afastar na sexta-feira da direção interina da FN por declarações sobre as câmaras de gás — que ele nega.
— A eleição de Marine Le Pen seria algo monstruoso — afirmou Daniel Cordier, ex-secretário de Jean Moulin e figura da resistência francesa durante a ocupação nazista, em uma entrevista ao “Journal du Dimanche”. — Le Pen na vida política francesa representa a negação de tudo pelo qual nós combatemos.
A própria Le Pen se viu dentro da controvérsia negacionista ao afirmar, recentemente, que a França não foi responsável pelas detenções e deportações de judeus — em sua opinião, o regime colaboracionista não representava o país. Ontem, a líder da extrema-direita também fez uma discreta homenagem em Marselha às vítimas do Holocausto, e depositou flores diante do Monumento aos Deportados, sem avisar a imprensa.
— Eu não comercializo este tipo de homenagem. Não é um evento eleitoral — alfinetou na rede francesa BFMTV, enquanto sua sobrinha, a deputada Marion Maréchal Le Pen, denunciava o oportunismo de Macron.
Na tentativa de aumentar sua base eleitoral, a candidata ainda fez uma visita surpresa à fábrica de produtos de alumínio Altéo, envolvido em uma polêmica ambiental pelo vazamento de substâncias contaminantes no Mediterrâneo. Na quarta-feira, Le Pen já havia ido inesperadamente a uma fábrica de eletrodomésticos prestes a ser fechada. As visitas são uma tentativa de conquistar os eleitores com mais consciência ecológica, especialmente os do candidato de extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon, e os do socialista Benoît Hamon, eliminados no primeiro turno.
— O Estado pode colaborar com o setor privado para proteger os empregos, ao mesmo tempo em que protege os franceses dos riscos ambientais — afirmou.
‘MOEDA ÚNICA ESTÁ MORTA’
O discurso é incomum e se afasta de declarações anteriores da candidata, que já criticou, por exemplo, o custo da transição à energia verde e se opôs ao fechamento da central nuclear de Fessenheim, a mais antiga da França, para evitar a perda de postos de trabalho. E em uma entrevista ao jornal “Le Parisien”, a candidata explicou sua proposta polêmica de coexistência de duas moedas, uma para transações nacionais e outra para as internacionais. De acordo com ela, a moeda única europeia “está morta” e é responsável por grande parte do desemprego na França.
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