Nenhum corte de gastos será suficiente para arrumar as contas públicas, enquanto as despesas da Previdência continuarem crescendo como nos últimos anos, e isso é mais uma vez comprovado, agora, pelos números acumulados até março. O rombo da Previdência no primeiro trimestre, no valor de R$ 40,1 bilhões, engoliu facilmente o superávit de R$ 21,9 bilhões acumulado no período pelo Tesouro e pelo Banco Central (BC), de acordo com o balanço primário - sem juros - do governo central.
Esse cálculo, baseado no mero registro de receitas e despesas, é um pouco diferente daquele apresentado no relatório do BC sobre as contas consolidadas do setor público. Por este critério, focado nas necessidades de financiamento, o déficit do INSS bateu em R$ 40 bilhões e o resultado positivo do Tesouro e do BC chegou a R$ 25,9 bilhões.
O desastre do sistema previdenciário é indiscutível, por qualquer critério contábil. Nenhuma arenga populista poderá anular ou ocultar a evidência aritmética, mesmo com a fumaça de pneus queimados em protestos. Em 2012 o superávit do Tesouro e do BC no primeiro trimestre chegou a R$ 61,5 bilhões. Coberto o déficit da Previdência, de R$ 13,9 bilhões, sobrou um saldo primário positivo de R$ 47,6 bilhões. Nos anos seguintes o buraco previdenciário cresceu de forma quase contínua, enquanto encolheu o excedente gerado nas outras operações do governo central. A partir de 2016 nem houve sobra, no Tesouro e no BC, para zerar o saldo primário do governo da União.
Mas a acelerada piora do resultado contábil é a parte menos feia da história. Quanto mais dinheiro do Tesouro é consumido nos gastos da Previdência, menos sobra para o governo prestar os serviços cobrados pela sociedade, como segurança, Justiça, educação, saúde e investimentos necessários à operação normal, à expansão e à modernização dos equipamentos de uso público. Não tem sentido cobrar quantidade e qualidade de serviços e ao mesmo tempo defender um sistema previdenciário com despesas e déficits crescentes, com potencial para exaurir, dentro de alguns anos, todo o dinheiro coletado pelo governo.
Dos R$ 312,1 bilhões programados em janeiro para despesas no primeiro trimestre o governo gastou R$ 294,6 bilhões. A economia de R$ 17,5 bilhões em relação ao valor previsto ajudou na obtenção do superávit primário de R$ 21,9 bilhões, pelos cálculos do Tesouro, mas o esforço foi em boa parte anulado pela piora das contas previdenciárias. Mesmo com o teto de gastos, inegavelmente importante para a imposição de alguma disciplina às contas federais, o ajuste efetivo só ocorrerá se o esforço for complementado com a reforma da Previdência.
Por enquanto, a gestão fiscal de Estados e municípios continua contribuindo para conter a piora das contas oficiais. Um superávit de R$ 2,2 bilhões foi no primeiro trimestre o resultado primário consolidado do setor público, formado pelos governos da União, dos Estados e dos municípios e pelas estatais, sem Petrobrás e Eletrobrás. Os governos subnacionais acumularam no período um saldo positivo de R$ 17 bilhões, apesar da desordem financeira de alguns Estados.
Incluída a conta de juros, no entanto, o resultado nominal do setor público foi um déficit de R$ 108,3 bilhões no trimestre. Esse déficit chegou em 12 meses a R$ 580 bilhões, equivalentes a 9,2% do Produto Interno Bruto (PIB), um dos maiores desajustes do mundo, muito acima das médias do mundo rico e dos países emergentes e em desenvolvimento.
O poder público depende, obviamente, de superávit primário para cobrir o serviço da dívida e conter o endividamento. No Brasil, mesmo com a reforma da Previdência, dificilmente haverá saldo primário positivo antes de 2020. Enquanto isso, o Tesouro se endivida. A dívida bruta dos três níveis de governo e da Previdência alcançou R$ 4,6 trilhões, 71,6% do PIB (um ponto acima do nível atingido no mês anterior). Juros menores podem aliviar a dívida e facilitar a atividade e a geração de receita. Mas nenhuma política de corte de juros é sustentável sem a firme perspectiva de melhora das contas públicas. O resto é fantasia e irresponsabilidade.
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