- O Estado de S. Paulo
Mal sobreviveu ao TSE, o presidente entra em choque com o próprio Supremo
Além do general Sergio Etchegoyen, foi o próprio presidente Michel Temer quem ligou para a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e desmentiu que tenha acionado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para fazer uma devassa na vida do relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin. Mal vencia a batalha do TSE, por um voto, Temer já batalhava para se defender numa guerra muito mais inglória, contra o próprio Judiciário.
O clima do poder, ou dos Poderes, é exatamente esse: de guerra. Executivo, Judiciário e Legislativo estão se armando até os dentes, tendo no vértice a Procuradoria-Geral da República, onde o momento é de transição, com a sucessão do procurador-geral Rodrigo Janot em setembro e a disputa entre correntes e modos de operar e de ver as coisas, ou a vida.
Temer tem origem no Judiciário, passou décadas no Legislativo e chegou ao posto máximo do Executivo, mas é o alvo principal das pressões e contrapressões dos três Poderes. Acuado, reage como fera ferida, com um fator fora de controle: a espionagem e a guerra de versões. Afinal, Janot pediu mesmo para Fachin instalar escuta ambiente no gabinete presidencial? Ele nega. E Temer determinou ou não a devassa da Abin na vida de Fachin? Ele também nega.
Cármen Lúcia consultou os colegas e divulgou nota rechaçando qualquer possibilidade de invasão de um poder no outro e de devassa ilegal contra um ministro do STF, que seria “própria de ditaduras”. Soa como um basta na rota da insensatez. Cá entre nós, nem Temer pode usar instrumentos de Estado para represálias, nem Fachin deveria abrir inquérito monocraticamente contra um presidente, nem Janot deveria partir para cima de um presidente com uma fita não periciada. E, obviamente, políticos não poderiam, jamais, fazer tudo o que faziam.
É nesse ambiente deteriorado, de meias-verdades, puras mentiras, vazamentos manipulados e aumento diário do nível de tensão, que Temer mantém o mandato, mas poderia se perguntar: vale a pena? A vitória no TSE projeta vida nova ou acirra os ânimos e abre espaço para múltiplas e desgastantes batalhas sem final feliz?
O bom dessa história é que, na semana de um julgamento histórico, em que estava em jogo o mandato do presidente, um ano depois do impeachment da primeira mulher eleita presidente do Brasil, o País real funcionou normalmente e até surpreendeu o silêncio das ruas. Com exceções esporádicas, nem se ouviu “Fora, Temer”. Se estridência houve, foi nas redes sociais.
Enquanto sete ministros, com retórica empolada e capas antiquadas, decidiam não só o futuro de um presidente e da história brasileira, o País seguia seu rumo, cumpria sua rotina. Os bancos abriram, as empresas funcionaram, os trabalhadores trabalharam, as igrejas realizaram seus cultos e os estudantes estudaram (exceto no Rio, onde o problema é outro...). Até os ladrões comuns continuaram roubando normalmente.
O País real anda sozinho, horrorizado com mensalões e petrolões, comemorando as prisões de figurões de bancos, empreiteiras, partidos e governos que desde sempre se sentiram acima do bem, do mal e das leis. Brasília está em chamas, com Executivo no alvo da Lava Jato, o Judiciário devassado pelas transmissões ao vivo e o Congresso com as vísceras expostas, mas o País segue em frente, enquanto os gestores da economia trabalham arduamente para recuperar confiança, investimentos e empregos.
É nesse clima que Temer sobreviveu ao TSE, mas não pode soltar fogos, nem curtir a sensação de alívio, nem mesmo baixar a guarda, porque novas batalhas virão. Não só de versões e contrainformação, mas com a PGR, o Supremo, a PF, o Congresso, a mídia ou o mais decisivo: Sua Excelência, o fato.
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