- O Estado de S.Paulo
Se ainda estiver no cargo até o final do ano, Temer vai acabar pedindo a mudança da meta para impedir o colapso da máquina estatal no quarto trimestre
O governo mais que dobrou a tributação dos combustíveis e fez um corte de R$ 5,9 bilhões nas despesas do Orçamento. Essas duas medidas impopulares, porém, não são suficientes para resolver o problema das contas públicos deste ano. A mudança da meta fiscal é o final certo desse enredo que tem se repetido todos os anos no Brasil. Muita gente importante envolvida na administração diária da gestão do caixa do governo já sabe desse desfecho. É só aguardar os próximos meses para a discussão de mudança da meta entrar na pauta do Congresso.
Não se trata aqui de falar em “arautos do desastre e do catastrofismo”, como reclamou o presidente Michel Temer, em discurso no Palácio do Planalto, no mesmo dia que assinava decreto mais que dobrando a tributação dos combustíveis. São vozes de quem conhece os números do Orçamento por dentro e está vendo os problemas se acumularem. É curioso observar que a crítica de Temer de agora é a mesma que foi usada pela presidente Dilma Rousseff ao falar das contas públicas pouco antes do seu impeachment.
Se ainda estiver no cargo até o final do ano, Temer vai acabar pedindo a mudança da meta para impedir o colapso da máquina estatal no quarto trimestre. Se for afastado, seu sucessor pedirá ao Congresso a alteração, assim como fez Michel Temer depois que sentou na cadeira de Dilma.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, primeiro na linha sucessória de Temer no caso do afastamento, chamou atenção para o fato de que a meta fixada pelo governo para este ano tinha sido “ousada” demais. O recado já foi dado por Maia, que de alguma forma antecipa o problema e começa o terreno para a mudança da meta. Dyogo Oliveira, ministro do Planejamento, não descartou essa possibilidade ao apresentar as previsões mais recentes do Orçamento. Era de se esperar que com a alta pesada de tributos esse risco estivesse afastado. Mas não está.
A cautela do ministro em negar a alteração é termômetro a ser acompanhado. O governo depende de Maia para conseguir barrar propostas que minam ainda mais a capacidade de garantir o aumento das receitas. Vide o programa de parcelamento de débitos tributários (Refis), que foi totalmente desfigurado pela segunda vez, e a medida de reoneração da folha de pagamentos que vai ficar para 2018. Isso na melhor das hipóteses, porque o risco mesmo é de que deputados incluam outros setores na lista das empresas que escaparam da medida.
Novas surpresas negativas no campo das receitas estão a caminho tamanha é a fragilidade da estratégia fiscal baseada em muitas receitas extraordinárias que têm tudo para não acontecerem. A previsão de arrecadação registrou uma frustração de R$ 34,5 bilhões em apenas dois meses. Um verdadeiro desastre.
É de se estranhar que há duas semanas o governo estivesse pronto para liberar R$ 4 bilhões do Orçamento. O que mudou de lá para cá para o governo dar essa guinada de 180 graus e agora cortar quase R$ 6 bilhões? O alerta do Tribunal de Contas da União (TCU) emitido para a equipe econômica de que há risco de não cumprimento da meta e cobrando responsabilidades.
Com o tribunal de contas mais forte depois das pedaladas fiscais que ajudaram a derrubar Dilma Rousseff, as autoridades não quiseram correr o risco de liberar recursos com base em revisões de receitas sem respaldo técnico. Ninguém quis botar a sua assinatura no papel. Foi essa preocupação que alimentou a tensão dos últimos dias até o anúncio da elevação do PIS e Cofins para gasolina, diesel e etanol.
A mudança de cenário em poucos dias é o retrato mais fiel de como está frágil o quadro fiscal do País. Ele segue uma sequência lógica: o governo fixa uma meta fiscal fora da realidade, que serve de base para um Orçamento também irrealista. Depois, tudo isso é revisto no final do ano com a mudança da meta. E quando a ficha cai de fato. Essa sequência acontece há anos e não foi quebrada por esse governo, como se imaginava até aqui.
Como já era de se esperar a população reagiu muito mal à alta dos combustíveis. Mas o aperto tributário não vai parar por aí. O ano de 2018 nem começou e já há um buraco de R$ 50 bilhões nas previsões a ser coberto para a meta ser cumprida. É preciso dar um basta nesse ciclo perverso de ficar correndo atrás de meta fiscal para depois mudá-la.
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