Por pressão do Uruguai, a cúpula do Mercosul evitou condenação dura ao governo Maduro. A resolução final da reunião de Mendoza tem apenas críticas mornas à crise, sem citar a Constituinte e o plebiscito da oposição.
Crítica morna
Por pressão do Uruguai, cúpula do Mercosul evita condenação firme ao governo Maduro
Janaína Figueiredo, O Globo
MENDOZA, ARGENTINA E CARACAS - A palavra “condenação” sumiu do dicionário e foi substituída por “preocupação”. A forte pressão exercida pelo Uruguai impediu que ontem o Mercosul se pronunciasse de forma contundente sobre a crise política e social que assola a Venezuela. Depois de redigirem um primeiro documento preliminar no qual o bloco reconhecia “a recente expressão popular organizada” pela oposição (a consulta de domingo passado) e solicitava ao governo do presidente Nicolás Maduro que “não realizasse a Assembleia Constituinte no dia 30 de julho, nos termos nos quais foi colocada”, os presidentes de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram uma resolução bem mais moderada, na qual não são mencionados o plebiscito opositor e, tampouco, a Constituinte de Maduro.
Até aí chegou o consenso do Mercosul sobre a crise venezuelana. Paralelamente, Maduro e seus opositores foram convidados para uma rodada de consultas em Brasília — embora seu governo não reconheça o de Michel Temer — ainda sem data marcada. Segundo fontes argentinas e uruguaias, não houve acordo para aprovar uma declaração mais dura por pressões do presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez. E nada se faz no Mercosul se não houver adesão de todos os membros.
— Nós, pessoalmente, queríamos uma declaração mais forte — disse o secretário de Relações Internacionais do governo argentino, Fulvio Pompeo.
Mas o Uruguai tem limitações claras. O governo do presidente Vázquez precisa aprovar uma série de projetos no Parlamento este ano e depende do respaldo de toda a governista Frente Ampla, onde a ala comandada pelo senador e ex-presidente José Mujica (20102015), simpática ao chavismo, é majoritária. — Tabaré sabia que não teria margem de ação em Mendoza — comentou uma fonte uruguaia.
Na declaração final, também assinada pelos governos de Chile, Colômbia, Guiana e México, os países apontam que “a solução da crise só poderá ser resolvida pelos venezuelanos”. “Fazemos um chamado urgente ao fim de toda violência e a liberação de presos detidos por razões políticas”, diz o documento.
Para fontes argentinas, falar em presos políticos é uma novidade que deve ser destacada. — Há um ano e meio (na última cúpula do bloco, no Paraguai), somente o presidente Mauricio Macri falava sobre isso no âmbito do Mercosul.
Questionados, os chanceleres do Brasil e da Argentina, Aloysio Nunes e Jorge Faurie, respectivamente, minimizaram a discussão. Na véspera, o vice-chanceler argentino, Daniel Raimundi, afirmara que o bloco poderia adotar “medidas políticas”.
— As declarações são fruto do consenso, nisso está a força do que pode ser dito… não importa quem disse o que — apontou Faurie.
Já Nunes disse que eventuais sanções devem ser adotadas por consenso e lembrou que, no passado, foram muito importantes as ações diplomáticas para enfrentar ditaduras.
— Não gostaria que subestimassem a importância dos esforços diplomáticos no sentido de isolar regimes e governos que se afastam da democracia — afirmou o ministro brasileiro, destacando, ainda, a complexidade de adotar sanções econômicas, como ameaçou recentemente a Casa Branca, caso Maduro insista com a Constituinte.
Nunes disse que o Brasil não poderia, por exemplo, suspender as exportações de alimentos para o país, já que agravaria ainda mais a situação social.
No encontro, o presidente da Bolívia, Evo Morales, defendeu a não intervenção da região e se opôs a assinar qualquer documento nesse sentido. Já a presidente do Chile, Michelle Bachelet, disse sentir-se “decepcionada” pelas ações do governo Maduro. Bolívia e Chile são membros associados do bloco. Todos os países coincidiram, segundo o chanceler da Argentina, em que a democracia não está plenamente vigente na Venezuela, uma condição para ser membro do Mercosul. No entanto, na hora de avançar em direção a uma suspensão (hoje o país não tem voz nem voto, por não ter incorporado normas internas) ou qualquer retaliação política, a falta de consenso se tornou um obstáculo.
Em Caracas, a oposição continua pressionando o governo. Ontem, a Assembleia Nacional nomeou 33 juízes alternativos para o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) — a atual formação da Corte foi modificada às pressas pelo governo em dezembro de 2015, quando a oposição retomou o controle do Legislativo, e frequentemente anula as decisões da AN. Em resposta, o TSJ alertou que a nomeação é ilegal e que os deputados podem ser presos.
Ainda ontem, o Ministério Público confirmou que o número de mortos nos três meses e meio de protestos chegou a 103. Entre as vítimas, mais de 65% têm menos de 30 anos. Apenas na quinta-feira, cinco pessoas morreram e 367 foram presas.
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