sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A "quadra desafiadora" | César Felício

- Valor Econômico

Para Hartung, dias atuais ainda serão lamentados


A greve dos policiais militares que desorganizou a segurança pública no Espírito Santo, no mês de fevereiro, acendeu um alerta para o governador Paulo Hartung, um expoente da ortodoxia econômica à frente de uma administração estadual. Ficou patente ali naquele movimento que existe uma teia subterrânea entre classe política, policiais militares e a baixa oficialidade do Exército, que reverberaram e amplificaram o protesto, com o uso das redes sociais como uma turbina propulsora.

A revolta desencadeada ainda em 2013 já havia subvertido o jogo partidário tradicional. Em vão o PT tentou sublimá-la e o PSDB e PMDB buscaram pegar carona. A destruição moral provocada pela Operação Lava-Jato cortou o vínculo dos partidos com a sociedade para sempre. Haverá alguma reorganização partidária, o próprio Hartung está de malas prontas para partir do PMDB para alguma parte, enquanto vê com preocupação o rumo que 2018 está tomando.

Na próxima eleição será relativo o peso das grandes siglas, na visão do governador. O gordo espaço de siglas como o PMDB no horário eleitoral gratuito é cada vez menos importante, e a eleição de 2018 pode marcar a ultrapassagem definitiva das redes sociais.

"Estamos vivendo uma quadra desafiadora. É um período que quando for estudado lá na frente não vai dar muita alegria a ninguém. Muitas atitudes aplaudidas hoje no futuro serão vistas com muita desconfiança", disse Hartung, em um almoço. Para o capixaba, o ambiente é propício, ideal, para o florescimento e vigor de um grande demagogo, ou mais de um, lideranças que estão fora da linha principal da política, sempre prontas para inventar saídas simplistas para problemas absolutamente complexos.

"É o quadro adequado para pescador em águas turvas. Nós precisamos fugir deste caminho. O Brasil está vivendo a pior crise nos últimos cem anos no país, não tem gordura no país hoje para que ele seja liderado por alguém que não tenha preparo para o feito", disse Hartung.

A antecipação da campanha eleitoral de 2018 já é um fato. Não é apenas a sucessão presidencial que pega fogo, com Lula, Bolsonaro e Ciro percorrendo o país e o PSDB exibindo suas contradições, nos Estados as eleições regionais já estão em plena marcha, embora em momento algum Hartung tenha feito alusão ao pleito em que ele próprio deve disputar a reeleição, no próximo ano. É óbvio que a campanha longa será um complicador. Na realidade, já está sendo. A crise econômica é enfrentada por uma classe política que, além de acuada por denúncias, comporta-se como candidata.

O governador não nomina quem é o sujeito oculto que estaria a colher da destruição o doce fruto, a pescar nas águas turvas. Nos cenários levados em consideração pelos institutos de pesquisa, só figuram nas simulações dois candidatos com compromisso com as reformas de caráter liberal e fiscalista, notadamente a mais central delas, que é a da Previdência: os tucanos que se dilaceram, João Doria e Geraldo Alckmin.

A pecha de vendedores de lotes na lua, impossíveis de serem escriturados, já foi colocada em todos os outros oponentes, em maior ou menor grau. Lula, Bolsonaro, Ciro, Marina e Álvaro Dias se articulam pela oposição. Eles somam dois terços das intenções de voto. O restante se divide entre os que rejeitam todos os presidenciáveis, os que estão indecisos, e por fim, os que apoiam candidatos reformistas na linha defendida pelo mercado.

Na realidade, as questões econômicas pouco aparecem no discurso do mais ativo dos presidenciáveis tucanos. O prefeito de São Paulo, quando perguntado, se perfila a favor das reformas propostas pelo governo, mas o eixo de suas manifestações é o antipetismo. Ainda favorito para obter a indicação tucana à presidência, o governador paulista coloca mais ênfase na defesa do reformismo, mas sua agenda por ora é mais administrativa e menos eleitoral.

Não é razoável esperar que um candidato à presidência saia por aí agora defendendo medidas amargas em um país cuja renda per capita não cresce há quatro anos e o PSDB está na trágica posição de ser o único partido - frise-se, o único dos 35 partidos no Brasil - em que existe disputa interna pela candidatura.

Não apenas isso: é a única sigla em que há a necessidade do presidenciável se afastar do cargo que exerce no prazo exigido pela desincompatibilização, em abril, três meses antes das convenções. O PSDB, isolado defensor das reformas a pleitear a presidência, está, portanto, obrigado a definir seu nome antes de todo mundo.

Não fosse isso, os tucanos poderiam jogar com o tempo. O governador capixaba aposta em uma reversão das tendências atuais das pesquisas. "Se você olhar as últimas eleições, as últimas duas ou três, você vai ver uma coisa muito forte: a decisão pelo líder ocorre muito em cima da hora. Não menosprezo pesquisas, mas os elementos que elas trazem nos dias atuais são muito frágeis em relação aos processos que aconteceram há dez, quinze anos atrás. O processo e a decisão eleitoral está acontecendo muito próximo ao dia da eleição".

A questão é que a falta de solidez do quadro atual das pesquisas, quando ainda faltam catorze meses para o desfecho nas urnas, por si só não basta para abrir o caminho dos que defendem as reformas. A crise política engolfou todas as iniciativas de diminuir a resistência da opinião pública ao ajuste previdenciário. "O país está em uma situação delicadíssima e são poucas as lideranças dizendo ao país o tamanho do problema que nós temos", admitiu Hartung.

A ligeira melhora do quadro econômico parece jogar poeira nos olhos da sociedade, como se o problema fiscal fosse só do governo. As corporações se fecham em si mesmas, em que cada um se sente suficientemente fracassado. Na luta pela sobrevivência, Temer arbitra perdas apenas contra quem se sente blindado. A história de seu governo no Congresso foi a de sucessivas concessões, centradas primeiro como anteparo a seus problemas de legitimidade e agora como um fim em si mesmo.

O governador do Espírito Santo não apoiou o impeachment de Dilma Rousseff, em quem não votou em 2014, mas não está contra a continuidade do governo de Temer. Em sua nova troca partidária, deve escolher entre o PSDB e o DEM. O que ele gostaria era de que 2018 não estivesse tanto na ordem do dia como agora. A ele parece mais urgente acionar o alarme antiaéreo. "A população precisa se apropriar da informação de que o país gasta mais do que tem em um volume desorganizador", afirma o governador.

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