- O Estado de S.Paulo
O vilão reiteradamente apontado é o mau desempenho do PIB
A arrecadação despencou mais do que estava projetado. O rombo fiscal, em vez de se manter nos R$ 139 bilhões, como previsto no Orçamento da União, deverá ser de R$ 159 bilhões, como anunciou o governo.
O vilão reiteradamente apontado é o mau desempenho do PIB, que deveria avançar 1% neste ano e continua sofrendo de anorexia, doença relativamente comum em pretendentes a modelo. Provavelmente ficará em magérrimo 0,5%. Baixo crescimento econômico é menos consumo e menos produção. Portanto, assim ficou derrubado importante gerador de arrecadação. Também a repatriação de recursos depositados no exterior ficou longe do esperado.
Mas isso está longe de ser tudo. É como dizer que o vovô quebrou o fêmur porque escorregou no tapete da sala. Sim, tem o maldito tapete onde o pé enroscou, mas têm outras coisas. Tem que o vovô é quase noventão, já não tem a mesma agilidade e, além disso, sofre de osteoporose...
A quebra da arrecadação da qual se queixa o ministro Henrique Meirelles não tem apenas fatores negativos. Um deles é altamente positivo. Trata-se da queda forte da inflação. Uma coisa são os preços crescendo a 10% ao ano e outra, muito diferente, crescendo por volta dos 3%, como agora. Preços mais baixos rebaixam também a base sobre a qual são calculados os impostos. Enquanto isso, a despesa pública cresce bem mais, porque os reajustes de salários dos funcionários públicos e as aposentadorias são definidos pela inflação do ano anterior, bem mais alta.
Mas há outros fatores que trabalham para derrubar a arrecadação. Um deles é estrutural. Com as exceções de praxe, o setor produtivo brasileiro é de baixa competitividade, entre outras razões, porque enfrenta altíssimo custo Brasil. Para sobreviver, muitos setores recorrem pura e simplesmente à sonegação, que os técnicos preferem chamar de descaminho. Há 30 anos, o embaixador Roberto Campos advertia que, em grande número de casos, a sonegação era, no Brasil, uma operação de legítima defesa.
Outro fator é a alta carga tributária. Quanto mais altos os impostos, maior é a propensão a encontrar um jeito de escapar do Fisco. É a situação em que o alívio compensa o risco de ser apanhado. A barafunda e a alta complexidade do sistema tributário brasileiro trabalham a favor da sonegação, especialmente quando cada cabeça é uma sentença. Somente no Carf, última instância administrativa em que se pode questionar pendências com Receita, processos em estoque somam R$ 615 bilhões.
E, finalmente, há os atrasos deliberados. À parte práticas de pura sem-vergonhice, são duas as razões por que isso ocorre. A primeira é típica dos tempos de crise. O faturamento encurta e muitas empresas, embora reconheçam que devem, deixam para pagar quando puderem. Nessas condições, o atraso faz parte da política de recomposição de caixa, que, de quebra, dispensa a tomada de financiamentos bancários, o que é bom, especialmente quando os juros são altos.
A segunda razão é a moleza proporcionada pelas anistias. Sempre que o governo enfrenta redução da arrecadação, recorre ao perdão parcial das dívidas tributárias: estica o prazo de pagamento, reduz multas e juros de mora, inventa nova edição do Refis e vai por aí. Nessas condições, contrair altas dívidas tributárias e atrasar o pagamento de impostos acabam sendo bom negócio.
Enfim, a saúde do vovô não depende apenas da remoção do tapete assassino.
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