Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais, em setembro de 2015, muito se tem dito sobre o suposto sufocamento da atividade política como corolário da decisão da Corte Suprema. Com uma boa dose de exagero e alta carga dramática, houve vozes menos comedidas que chegaram a afirmar que após o entendimento do STF a própria democracia estaria sob risco no País.
Completamente dependentes das doações de grandes empresas para o financiamento de campanhas eleitorais milionárias – além dos nada desprezíveis recursos do fundo partidário, uma excrescência por si só –, muitos políticos têm-se lançado em uma verdadeira cruzada pela aprovação de novas fontes de obtenção dos vultosos recursos que estão acostumados a receber sem fazer muito esforço.
Tanto é assim que, alheia à dramática crise econômica por que passa o País, a comissão especial da Câmara que trata da reforma política aprovou a criação do chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FFD), uma desavergonhada tentativa de destinar aos partidos políticos 0,5% da receita corrente líquida da União para o financiamento das campanhas eleitorais, o que hoje representaria um ônus de R$ 3,6 bilhões para a sociedade, já suficientemente castigada pelos efeitos da recessão econômica e pelo desemprego resultantes do desastre dos governos lulopetistas.
Para justificar o descalabro do financiamento público das campanhas eleitorais, algo que avilta o poder discricionário do cidadão de contribuir voluntariamente apenas para candidatos e partidos que julgue representá-lo, os defensores do projeto recorrem ao argumento falacioso de que sem as doações empresariais e sem as verbas públicas as campanhas passariam a ser financiadas apenas por quem detém dinheiro disponível, como os candidatos mais ricos, as organizações criminosas e as igrejas.
Trata-se, evidentemente, de uma tese que não se sustenta diante do mais primário escrutínio. O que garante a lisura do processo eleitoral é o firme controle exercido pelos órgãos de Estado para coibir o abuso de poder, tanto político como econômico. Vale dizer, não é o sistema de financiamento eleitoral, por si só, que irá garantir o equilíbrio em uma eleição e a licitude dos recursos nela empregados, mas sim a atuação diligente e coordenada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos Tribunais de Contas e da Receita Federal. Eventualmente, da polícia.
Analisando as contas das eleições municipais de 2016, a primeira realizada após a decisão do STF que proibiu as doações de empresas, a Receita Federal identificou mais de 18 mil casos de pessoas físicas que fizeram doações eleitorais acima do limite legal de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, conforme informou com exclusividade o Estado. Passaram pelo crivo do órgão todas as doações feitas pelos 712.643 contribuintes pessoas físicas naquele pleito.
Em setembro de 2016, o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, e o secretário da Receita, Jorge Rachid, firmaram acordo de parceria entre as duas instituições para aprimorar os mecanismos de controle de irregularidades nas doações eleitorais. Cabe à Receita realizar o cruzamento dos valores doados pela pessoa física e os rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior às eleições. “Esse levantamento da Receita é a prova clara de que a Justiça Eleitoral, com os acordos de cooperação que firmou com instituições públicas nos últimos anos, está em sintonia com tempos que pedem uma atuação firme dos órgãos de fiscalização”, disse o ministro ao Estado.
Controlar doações privadas de pessoas físicas é perfeitamente possível, basta que se tenha a chamada “vontade política”. Uma eleição é a mais eloquente manifestação de cidadania. Empresas não são cidadãs. Em boa hora, portanto, o STF proibiu a doação de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais.
É um dever cívico dos partidos políticos reavaliar seus métodos de atuação, aproximando seus candidatos dos eleitores e fortalecendo uma relação que, naturalmente, levará ao financiamento eleitoral privado por meio das doações de pessoas físicas.
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