segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Privatizações são mais que ajuste fiscal | Gustavo Loyola

- Valor Econômico

O loteamento político a que as estatais estão sujeitas permite a criação de esquemas bilionários de corrupção

A privatização da Eletrobras anunciada pelo governo não será apenas um meio de amealhar recursos extraordinários para fechar temporariamente as contas fiscais. Este será até um efeito menor, quando comparado com os benefícios de longo prazo que poderão resultar da transferência do controle da empresa para as mãos do setor privado.

Vamos lembrar que, durante os governos petistas, o setor elétrico foi vítima de uma série de experimentos que desestruturaram financeiramente as empresas do setor, incluindo a própria Eletrobras e suas subsidiárias, além de acarretarem prejuízos gigantescos para consumidores e contribuintes. O mais devastador desses experimentos, embora não o único, foi a Medida Provisória 579/2012, com a qual a "especialista" Dilma Rousseff, com o apoio entusiasmado da Fiesp, pretendeu baixar em 20% as tarifas pagas pelos consumidores. A referida medida levou a Eletrobrás à situação de penúria e de quase falência, por ter promovido a renovação das concessões de geração e transmissão de maneira irresponsável, à qual as empresas do grupo Eletrobras tiverem de aderir sob a ameaça de chicote.

Tais experimentos certamente teriam sido muito menos prováveis caso houvesse sido levado até o final o processo de privatização das empresas do setor ocorrido nos anos 1990 que, infelizmente, deixou de atingir algumas das principais empresas geradoras do país que se mantiveram sob o controle do setor público, como Furnas, Eletronorte e Chesf. Ficou a lição de que a existência de setores dominados por empresas estatais é tentação irresistível para experimentalismos mal ajambrados de governos de viés populista.

Não fosse isso suficiente, a Lava-Jato vem descortinando outra razão para a não existência de estatais. O loteamento político a que estão sujeitas permite a criação de esquemas bilionários de corrupção. O setor elétrico, por exemplo, tem sido feudo de partidos políticos e servido como abastecedor de recursos para seus cofres e seus candidatos nos últimos anos, como revelam as investigações da Lava-Jato. Vale dizer, contudo, que os governos petistas apenas levaram às ultimas consequências um vício já presente há décadas no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, no que tange à ocupação dos cargos de direção das estatais.

O anúncio da privatização da Eletrobras, obviamente, despertou a oposição de grupos que sempre se beneficiaram diretamente da sua condição de estatal, ainda que em detrimento do interesse do país. Segundo noticiou a jornalista Andréia Saddi, em seu blog no portal G1, lideranças políticas estariam manifestando ao Planalto sua insatisfação com a intenção de privatizar a Eletrobras e da Casa da Moeda, pois perderão cargos para os quais vem indicando apadrinhados políticos. O choro é compreensível, mas só faz reforçar a noção de que a privatização é um bom caminho.

Além desse tipo de crítica, a privatização da Eletrobras tem sido combatida com o pretexto de que a venda de seu controle atentaria contra a soberania nacional. Para tais críticos, o país perderia o controle do uso de suas águas. Bobagem. A privatização das empresas concessionárias não significa que o Estado abra mão da sua condição de regulador. Ao contrário, como a desastrada experiência de Dilma mostrou, quando o Estado concentra em suas mãos simultaneamente os papéis de regulador do mercado e controlador das empresas concessionárias, o risco para a sociedade aumenta exponencialmente, pois se fica no pior de dois mundos: nem se tem um órgão regulador efetivo, nem se assegura a oferta sustentável de energia, pela ineficiência e loteamento político das estatais do setor. Não é por outra razão que os governos petistas se esmeram em fragilizar as agências reguladoras, loteando seus cargos de direção e transferindo para a instância política decisões que deveriam ser técnicas.

Ainda no capítulo das privatizações, o anúncio da venda da Casa da Moeda também despertou críticas, embora se trate, no fundo, de apenas uma gráfica um pouco mais sofisticada que tem como principal cliente o Banco Central que lhe compra papel pintado, quase sempre mais caro do que pagaria se encomendasse no exterior. Há muito tempo, com alguns interregnos de exceção, a empresa serve de abrigo para indicações políticas que frequentemente lhe envolvem em escândalos. Não há nada de estratégico na manutenção do controle da Casa da Moeda pelo governo até porque, em breve, provavelmente o papel-moeda será coisa do passado, substituído pelas moedas digitais.

Dessa maneira, as privatizações anunciadas, assim como o programa de concessões, podem representar um legado importante do governo Temer ao Brasil, ao lado de reformas importantes como a trabalhista, a criação da TLP, o teto de gastos, além da recuperação da Petrobras. Não será pouco, num país que, até o "impeachment" de Dilma, vinha numa marcha batida rumo ao colapso econômico. Mas, estará longe de ser suficiente. O fantasma da crise fiscal continuará nos assombrando até que o Congresso Nacional se decida a aprovar medidas estruturais de fundo, como a reforma da Previdência Social.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central

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