- O Globo
Alteração no Refis é desfaçatez. Era só o que faltava. O novo programa de refinanciamento de dívidas (Refis), negociado na Câmara às vésperas da decisão sobre a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, ganhou um adendo surreal: a permissão para que os condenados por corrupção possam obter descontos e parcelamento da quantia que roubaram do dinheiro público e serão obrigados a devolver aos cofres da União.
É mais do que um reconhecimento implícito de culpa coletiva, é o cúmulo da desfaçatez, que parecia ter chegado ao auge quando se sabe que muitos dos deputados que negociaram as novas regras, inclusive o relator, Newton Cardoso Jr, são empresários que serão beneficiados pela benevolência do novo programa.
Menos mal que o relator da MP do Refis no Senado, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), decidiu não aceitar “essa malandragem” e rejeitará o adendo que beneficia os corruptos, o que pode inviabilizar totalmente a aprovação da medida provisória.
O sindicato dos auditores da Receita Federal a classificou de “um tapa na cara da nação”, pois estimula a sonegação, prejudica a arrecadação e favorece a concorrência desleal entre empresas.
Só muita ousadia para permitir que condenados por corrupção sejam favorecidos por uma anistia que, em tese, deveria estimular a arrecadação, e não o contrário. Especialmente quando se trata de dinheiro de corrupção.
Segundo especialistas, a aprovação do texto do novo Refis é um claro exemplo de uso da máquina pública para fins privados, em típico desvio de finalidade, com quebra inequívoca dos princípios que deveriam presidir a administração pública. O presidente Temer valeu-se do projeto para tentar cooptar votos de parlamentares investigados e endividados com o Fisco, e aceitou deixar o projeto mais generoso e dotado de regras flexíveis, permitindo que personagens alvos de processos paguem suas dívidas com recursos desviados.
Trata-se de uma incontroversa moeda de troca para a rejeição da nova denúncia contra o presidente Temer. A MP 804 prorrogou o prazo de adesão ao programa especial de regularização tributária até 31 de outubro deste ano, nada mais conveniente e casuístico.
O programa alcançou até mesmo empresas em recuperação judicial e vem sendo utilizado, nos bastidores do Congresso, como forma de negociação dos votos junto aos parlamentares. Seria urgente impedir que deputados pudessem, direta ou indiretamente, utilizar-se desse programa, o que inclui suas empresas, das quais fazem parte, como sócios, na medida em que isso lhes afetará a isenção para o julgamento do presidente Temer no Congresso Nacional.
Trata-se de uma fórmula de cooptação explícita, ostensiva, que pode ser interpretada como crime de responsabilidade do presidente.
O problema, portanto, não está apenas na discricionariedade dos benefícios concedidos, mas no conflito de interesses entre quem os concede, e quem os recebe no momento da votação de uma denúncia. Essa troca de favores, de modo explícito, não é compatível com o nosso sistema constitucional.
Novas luzes
O ex-ministro do Supremo Ayres Britto lança novas luzes sobre a controvérsia que domina a decisão da Primeira Turma do STF de afastar o senador Aécio Neves de suas funções senatoriais e mantê-lo em recolhimento noturno. Segundo ele, as prerrogativas dos parlamentares têm que ser interpretadas “à luz do inciso XII do artigo quinto da Constituição, que faz uma distinção essencial entre investigação criminal, fase anterior à denúncia e, logicamente, ao processo penal”. Essa distinção, para Ayres Britto, dá respaldo à decisão da Primeira Turma e permite até mesmo que o presidente da República seja investigado, embora não processado, por atos anteriores à sua gestão. Dou uma pausa na coluna, que voltará a ser publicada no dia 24 de outubro.
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