- Valor Econômico
A recuperação cíclica da economia deve favorecer os partidos no comando, reforçando a preferência dos últimos anos
As eleições legislativas na Argentina este mês abriram um longo ciclo eleitoral na América Latina, o qual pode determinar para onde a região irá nos próximos anos. Este mês será a vez do Chile, com a escolha de novo presidente e a renovação do parlamento. Na sequência, teremos eleições gerais no Paraguai (abril/2018), na Colômbia (maio) e no México (julho). O Brasil virá em seguida, com eleições em outubro, e a Venezuela, o grande (triste) mistério, em tese elegerá novo presidente também na segunda metade de 2018.
Exceto pela Venezuela, esses países chegarão às eleições com um clima econômico favorável. Após um período ruim entre 2015 e início de 2016, os preços das commodities da região se recuperaram parcialmente, ajudando a valorizar as moedas locais e permitindo o relaxamento da política monetária na maior parte dos casos, para o que também contribui a elevada liquidez internacional.
Em seu último Perspectivas Econômicas Regionais, publicado faz três semanas, o FMI prevê que o PIB da região crescerá 1,2% este ano e 1,9% em 2018, depois de cair 0,9% em 2016 e ficar parado em 2015 (0,1% de alta). Novamente com a exceção da Venezuela, que caminha para a hiperinflação, a inflação permanecerá em geral baixa. Na Argentina, em especial, essa, ainda que alta, deve cair mais.
A recuperação vai moderar os elevados déficits primários de vários governos da região, cujas contas sentiram a queda dos termos de troca em 2015. Em combinação com os juros mais baixos, isso limitará a expansão da razão dívida pública/PIB. A Argentina outra vez se destaca positivamente. O Brasil é o destaque negativo, em especial quanto à escalada da dívida pública.
Apesar do cenário de curto prazo benigno, o Fundo avalia negativamente as tendências de longo prazo da região. A expectativa é que o PIB per capita cresça apenas 1,7% ao ano no médio prazo, em linha com a média do último quarto de século e metade do previsto para o agregado dos países emergentes e em desenvolvimento. O crescimento continuará pressionado por taxas de investimento baixas e uma lenta alta da produtividade. Isso limitará a capacidade de reduzir os ainda altos níveis de pobreza na região.
A recuperação cíclica da economia deve em geral favorecer os partidos no comando dos países, reforçando as preferências dos últimos anos. Mas e quanto aos problemas estruturais? Será possível formar um consenso em favor de eliminar as barreiras que limitam o crescimento?
O prognóstico neste caso não é dos melhores, como sinaliza o perfil variado dos candidatos líderes nas pesquisas para presidente. Na eleição chilena, o ex-presidente Sebastián Piñera lidera as pesquisas, com 34% das preferências. Piñera é de centro-direita e defende políticas pró-mercado. No México, por outro lado, Andrés Manuel Lopez Obrador está na frente, com cerca de 30% das intenções de voto. Ele um político antigo, de esquerda, que promete reverter reformas aprovadas pelo atual presidente, em especial no setor de petróleo. Para muitos, é um populista. O risco da volta do populismo também é alto no Brasil.
Isso reforça a necessidade de a sociedade provocar o debate sobre as restrições ao crescimento, inserindo-o nos três eixos principais de discussão que devem dominar o debate eleitoral.
O primeiro será o da ética e dos valores. Por conta da Lava-Jato e outras investigações, o tema da corrupção deve ser central. Corrupção prejudica o crescimento e concentra a renda. É preciso reduzi-la na política e fora dela. Como evitar que políticos corruptos sejam eleitos? Como combater o "rouba mas faz"? Temas como preferência sexual, aborto etc. também devem mobilizar muitos eleitores, como tem ocorrido em outros países. É preciso evitar, porém, que isso monopolize o debate, dele excluindo a necessidade de reformas econômicas.
O segundo eixo será o da política social. O discurso populista será, como usual, de que o Estado tudo pode resolver. Os populistas negarão a necessidade de reformar a previdência, ou pelo menos de forma significativa, e prometerão desfazer mudanças recentes, em especial a trabalhista.
Não obstante, a crítica situação das contas públicas colocará essa retórica em cheque e abrirá espaço para outras ideias. Será uma oportunidade para explicar à população que o país já gasta mais que a média na área social e que o real desafio é gastar melhor. Esse debate vai aparecer em relação ao salário mínimo. Será preciso explicar que aumentos reais do mínimo hoje impactam quase nada a pobreza e tiram espaço de políticas sociais mais focadas.
O terceiro eixo será o das políticas estruturais. Os populistas vão dizer que a solução é eleger "campeões nacionais", gastar mais, estimular o consumo e fazer política industrial. Os candidatos de centro dirão que as coisas já estão encaminhadas. Os dois estarão errados: é preciso mudar muita coisa para sair da estagnação. Precisamos privatizar, abrir a economia, reformar a estrutura tributária etc.
São temas que alguns candidatos tentarão esconder. Cabe a nós não deixar isso acontecer.
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Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ
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