sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Cristian Klein: Bolsonaro, nova Marina para os tucanos

- Valor Econômico

PSDB buscará com centrismo o que perde no governismo

Voltamos a agosto de 2014. Mas, no lugar da perigosa leveza de Marina Silva a abalar as chances de um retorno tucano ao Palácio do Planalto, é a mal disfarçada ferocidade de Jair Bolsonaro quem tira o sono do PSDB, com a escalada do deputado federal a um ano da eleição presidencial. É a terceira via que se plantou. Como se fosse pouco, há a sombra de Lula. Juridicamente, o petista é um morto-vivo, aquele herói ou vilão, a depender da preferência da plateia, que está por um fio na narrativa do suspense de uma crise política de longuíssima metragem. Pode morrer de morte matada pelos magistrados que o julgam em segunda instância. Mas, politicamente, renasce do saudosismo e cresce na indiferença de 35% do eleitorado à imagem negativa depois de três anos de Lava-Jato. Lula escapa do destino do protagonista da história similar na Itália, onde Bettino Craxi fugiu para a Tunísia - num roteiro que só faltava incluir assalto a trem pagador.

No Brasil, onde o sistema político se mostra bem mais resiliente que o italiano, é a trajetória do petista que delimita os trilhos da corrida eleitoral. Os tucanos - o outro ponto de sustentação do padrão de competição bipolar que prevalece há duas décadas - mais uma vez se veem ameaçados. Pela divisão interna, pelo apoio ao governo impopular de Michel Temer, pela presença nos escândalos de corrupção e pelo envolvimento neles de seu presidente licenciado, o senador mineiro Aécio Neves. O mesmo Aécio que, em agosto de 2014, foi deslocado para a terceira posição, com a ascensão de Marina Silva depois da morte do candidato do PSB Eduardo Campos.

O PT esforçava-se para reeleger Dilma Rousseff e a novidade era a arrancada da ex-senadora, líder do Rede Sustentabilidade, pelo centro do espectro ideológico. Mais polarizado e frustrado, o eleitorado, três anos depois, recorre à ultradireita de Bolsonaro. O desafio para o PSDB é ocupar este espaço, que não está exatamente vazio. A despeito das declarações de governistas que apelam à união por uma candidatura "de centro", é esta a raia onde se posiciona a mesma Marina Silva, atualmente a terceira opção do eleitorado - se Lula não disputar - e líder ao lado de Bolsonaro no cenário sem o petista.

Ou seja, os tucanos ganharam pelo menos mais um concorrente em relação a 2014, na disputa pela vaga no segundo turno. Não foi à toa que a última pesquisa Ibope soou o alarme no PSDB, em sua base social e no campo governista. O partido não pode mais se dar ao luxo de prolongar as rixas internas, pelo comando da legenda ou por quem será seu presidenciável.

O prefeito de São Paulo, João Doria, ao que tudo indica, jogou a toalha na pretensão de medir forças com o padrinho político e governador Geraldo Alckmin. Candidato não falta ao PSDB. O que carece à sigla é unidade, e de uma imagem que fique distante da administração Temer. Ser oposição ao PMDB, até o momento, parece ser uma vantagem competitiva. Mas a aliança defendida por Doria no Rio, nesta semana, pondo no balaio quase todas as legendas da base de Temer, grudará no eventual candidato da "frente democrática" a pecha de governista. Será o ônus da coligação a franzir a testa de qualquer marqueteiro. O bônus, apontado pelo prefeito, é o que sempre move as negociações e as chances de uma campanha: tempo de TV. Pelos minutos e pela capilaridade do PMDB nos rincões do país, o PSDB suportará o tanto de energia e discurso que perderá.

Os 15% de Bolsonaro, por enquanto, surfam em parte do eleitorado suscetível à plataforma tucana. Sem alianças e a bordo do nanico PEN, futuro Patriota, a tendência é que o deputado murche em algum ponto do caminho. Pela falta de tempo de propaganda e pela dificuldade de encaixar um discurso, que já muda precocemente, em busca do eleitor mediano que o ex-militar nunca fez questão de agradar. Sempre pela direita, Bolsonaro oscila como Marina, em 2014, entre recuos, tergiversações, hesitações e declarações à direita e à esquerda.

Descobre que campanha majoritária não é eleição proporcional, em que há votos suficientes para eleger um candidato com bandeiras de nicho. Abranda o discurso, mas não a ponto de deixar de se tornar alvo preferencial. O que os tucanos perdem de discurso, pelo desgaste com o adesismo ao governo, tentarão recuperar pela dinâmica da posição dos líderes do xadrez eleitoral. Jogarão Lula e Bolsonaro para os extremos e se apresentarão como o "centro" moderado, responsável - ainda que, a rigor, façam aliança de centro-direita.

Nesse cenário - e em contraste com a visão tradicional de que a candidatura Doria cresceria com a presença de Lula - Alckmin seria o nome mais adequado, para dar credibilidade ao discurso de um candidato que viria como antídoto à polarização Lula x Bolsonaro. Sem o petista na disputa, Marina rivalizaria com Bolsonaro, na largada, como indicou a última pesquisa Ibope. Mas a tendência, quase que certamente, é que um dos dois, senão ambos, sucumba à falta de tempo de TV e estrutura partidária. Um segundo turno sem representantes de máquinas (partidária ou governamental) é algo de baixíssima probabilidade. Na ausência de Lula, o PSDB se fortalece na formação de palanques estaduais, especialmente no Nordeste, onde o ex-presidente é cobiçado como cabo eleitoral para eleger governadores, senadores e deputados - muitos do PMDB.

Sem o petista, a disputa fica mais aberta, fragmentada, imprevisível. A direita terá a autoconfiança aumentada. Abre-se espaço para nomes como o apresentador de TV Luciano Huck, alguém do reformulado DEM e o Partido Novo pode fisgar simpatizantes entre tucanos desiludidos e desprovidos do argumento antipolarizador. Doria teria chance e, talvez por isso, ainda veja alguma possibilidade de concorrer à Presidência, quando diz que está dando dois passos atrás agora, para dar mais três adiante. A decisão sobre Lula, contudo, deve chegar quando Alckmin já estiver ungido como o candidato tucano.

Até lá, a classe política opera com o cenário que tem. Se o mandato de Temer foi salvo, duas vezes, pela política, por que não seria a candidatura Lula? O comportamento em trincheiras governistas é de quem já vê a possibilidade como realidade.

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