- O Estado de S.Paulo
Quem vai erguer a bandeira de dar sequência ao atual projeto de reformas?
Reconheça-se, preliminarmente, um fato incontornável: todo presidente governa com o Parlamento que tem à mão. Não é de escolha presidencial tal ou qual Câmara dos Deputados ou Senado. É o povo que escolhe os seus representantes.
O presidente da República, este ou qualquer outro, depara-se com um Poder Legislativo constituído segundo a soberania popular, conforme um ritual constitucional que passa por eleições, debates públicos, organizações partidárias, imprensa e outros meios de comunicação livres. Se o povo escolhe “bons” ou “maus” deputados, comprometidos ou não com ilícitos, é problema seu essa sua escolha, e não do presidente.
Quando assumiu a Presidência da República, Michel Temer viu-se obrigado a formar uma base de apoio na Câmara dos Deputados e no Senado, conforme as relações partidárias existentes. Não poderia ter inventado um novo Poder Legislativo, salvo se tivesse enveredado por uma solução autoritária, o que, evidentemente, não fazia parte de seus propósitos. Tratava-se de estabelecer as condições de governabilidade e, mais do que isso, de levar adiante um ambicioso programa de reformas.
E para realizar esse programa lhe era necessário compor uma ampla base parlamentar, sem a qual qualquer projeto seria inviável. É bem verdade que deveria ter tido mais cuidado na escolha de seu Ministério, uma vez que vários de seus ministros foram obrigados a deixar o cargo por envolvimento em ilícitos. O problema político, porém, tem outro viés que merece ser destacado.
O presidente negociou um projeto de reformas, que será, certamente, reconhecido historicamente. Em pouco tempo muito foi feito, a começar pelo teto dos gastos públicos, a terceirização, a modernização da legislação trabalhista, a reforma do ensino médio, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), além de continuar avançando na aprovação da reforma da Previdência. A inflação despencou, o produto interno bruto (PIB) voltou a crescer e a retomada dos empregos toma um curso definitivamente ascendente.
O PMDB, ainda antes da ascensão de Temer ao poder, via Fundação Ulysses Guimarães, elaborou um programa, a Ponte para o Futuro, que estabelecia os fundamentos de uma reforma do Estado e da economia, sem desatentar para os seus fatores sociais. Poucos acreditaram, porém o resultado foi a sua implementação pelo novo governo. Assim fazendo, muitos dos programas de corte liberal foram concretizados, deixando partidos que anteriormente os defendiam sem bandeiras.
Causou surpresa que o presidente Temer tenha tido a ousadia de levar adiante tão amplo processo de reformas, sem contar com base popular para isso. Talvez a questão devesse ser colocada de outra maneira. Ele pôde realizar esse conjunto de reformas precisamente por não contar com tal apoio popular e por visar o futuro do Brasil, e não as próximas eleições.
Mais concretamente, teria sido muito difícil realizar esse conjunto de reformas contando com a participação popular, visto que ela foi intoxicada pelos 13 anos e meio de lulopetismo. Muito foi prometido e feito tendo como condição o completo descuido com as finanças públicas. A corrupção tomou conta do aparelho do Estado e o Brasil quase foi à falência. Eis a herança maldita recebida. E, no entanto, os eleitores acreditaram que fosse possível continuar o distributivismo social, sem criar condições para o aumento da riqueza. O Estado, além de saqueado, foi exaurido.
Restava ao presidente a colaboração do Senado e da Câmara dos Deputados. Estabeleceu uma forma de governar baseada na participação parlamentar e partidária. Nenhum governo nos últimos tempos enveredara por esse caminho. Alguns chegaram a dizer que Temer o fez ao preço da liberação de emendas parlamentares, quando estas são, desde o governo Dilma Rousseff, obrigatórias, não estando ao arbítrio do presidente impedir a sua liberação. Todos os partidos tiveram e terão emendas liberadas, independentemente de serem ou não da situação.
O que se coloca, portanto, como questão é a articulação do presidente com os parlamentares e os partidos. E Michel Temer é exímio articulador, tendo surpreendido os que procuraram derrubá-lo, mormente por intermédio do ex-procurador-geral da República. Demonstrou capacidade ímpar de resiliência. Alguns vaticinavam a sua queda iminente durante meses e semanas, sem que nada tenha acontecido.
Temos, então, o que pode parecer como um paradoxo. O presidente da República implementou um moderno projeto de reformas, utilizando-se dos velhos instrumentos da política, contando com baixíssima popularidade. O que para alguns parecia impossível simplesmente se tornou real.
E note-se que o governo, em seu ímpeto reformista, não hesitou sequer em minar alguns dos fundamentos dessa mesma política, como quando o governo enveredou por um corajoso processo de reformas mediante concessões e privatizações, como, agora, a da Eletrobrás. O PPI, conduzido pelo ministro Moreira Franco, não é somente um projeto de ajuste fiscal, como alguns têm noticiado, mas de reforma do Estado, tirando empresas da barganha política e concedendo-as a parcerias e privatizações. Serão menos no futuro os cargos que serão objeto de negociação partidária.
A questão, assim posta, diz respeito não apenas ao governo Temer, mas a qualquer governo. O discurso das boas almas defronta-se com o problema concreto de como governar. O próximo governo, qualquer que seja o vencedor em 2018, deverá confrontar-se com uma Câmara dos Deputados e um Senado eleitos pelo voto popular, claro, e a nova representação política poderá ser melhor ou pior do que a atual. Ou seja, o novo presidente terá igualmente de contar com parlamentares não escolhidos por ele.
Eis o desafio. Quem erguerá a bandeira de dar prosseguimento ao atual projeto de reformas, não havendo outro que possa assegurar o futuro do País, salvo se o povo optar pelo retrocesso?
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*Professor de filosofia na UFRGS
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