A carga de ideologia que existe no tema leva magistrados a defenderem interpretações contra a lei
O ciclo de reformas em que o país está, forçado pela mais grave crise econômica de que se tem registro, deflagrada por irresponsabilidades fiscais e outras, inevitavelmente tem sido acompanhado — e será até seu esgotamento — por embates com grupos de interesses que se valem da velha ordem, que não mais se sustenta. Ou melhor, uma ordem que passou a ir contra todo o sistema.
As mudanças no arcabouço previdenciário — dos assalariados do setor privado e dos servidores públicos — são um exemplo claro: com o passar do tempo, normas desatualizadas em relação à demografia do país, entre outros fatores, começaram a ampliar o déficit do INSS, e passou a ser necessário fazer com que as pessoas se aposentem com idade mais elevada (a partir de 65 anos). As resistências são ferozes.
Mas há imperativos aritméticos que forçam esta e outras mudanças. O mesmo ocorre com os servidores, privilegiados em relação aos trabalhadores de empresas privadas. O déficit do seu sistema, no caso da União, chega a ser maior que o do INSS, mesmo que conceda benefícios a apenas um milhão de aposentados, contra 33 milhões na área privada. A grita contra mudar este estado de coisas é, óbvio, enorme.
A reforma trabalhista repete o enredo. Com uma característica: o combate que é feito na Previdência se alimenta de uma questão pecuniária, em que as pessoas desejam manter o padrão de vida depois da aposentadoria, e consideram isto um direito que lhe deve ser garantido pelo Estado; mas se trata de uma impossibilidade, mesmo em sociedades ricas, porque o dinheiro público é finito. Para isso, existem sistemas privados de seguridade. No caso da reforma trabalhista, o pano de fundo da resistência é ideológico, porque o combate às mudanças ocorre dentro do aparelho de Estado, na própria Justiça da área. Daí uma associação, a Anamatra (dos magistrados da Justiça do Trabalho), ter recomendado a juízes, procuradores e auditores que não sigam dispositivos da nova legislação, por considerar a reforma “inconstitucional”.
Usam-se argumentos supostamente técnicos na tentativa de se explicar por que uma entidade de magistrados prega o descumprimento da lei, em nome da própria lei. Um insustentável posicionamento.
É certo que diferentes tribunais podem ter interpretações diversas. Mas não em questões indiscutíveis, já assentadas de forma clara na nova legislação. No pano de fundo desta espécie de “desobediência civil” de togados e similares — por certo, inédita — está a grande carga de politização que existe no meio.
A causa é a própria dosagem de ideologia que acompanha a legislação trabalhista, desde a sua consolidação na CLT por Getulio Vargas, o maior ícone do populismo pátrio. O primeiro “pai dos pobres” de relevo na política brasileira, Getulio forjou o discurso de uma CLT inamovível, por ser suposta peça-chave na proteção do povo. Mas os tempos mudam e mesmo ela precisa ser atualizada. A carga de ideologização do tema leva ao ponto de magistrados quererem interpretar a reforma contra o espírito dela mesma.
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