segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Fernando Limongi: Insanos e obcecados

- Valor Econômico

PSDB flerta seriamente com o suicídio eleitoral

Recuperado das dores que o impediram de continuar colaborando com o presidente Michel Temer, leve e solto, o senador José Serra deu para fazer graça. Jantando com correligionários, diagnosticou: o PSDB necessita de tratamento psicológico. Faltou fornecer o perfil do profissional: especialista em suicidas e obcecados pelo poder. Pois é disto que se trata. Serra, Aécio e outros tantos tucanos vêm fazendo das tripas o coração para destruir o partido. Só pensam em si e teimam em não aceitar o óbvio. A hora de pendurar as respectivas chuteiras já passou.

Serra recobrou suas energias e ambições. Os convivas reunidos na cantina foram informados que a Lava-Jato "perdeu ritmo". Tradução: o senador já conta com a garantia de que sairá ileso das graves acusações - a de ter organizado um cartel entre as empreiteiras e a de manter contas na Suíça - que pesam sobre suas vértebras combalidas.

Com certeza, a manifestação recente da Procuradora-Geral da República alimentou a segurança do senador. Raquel Dodge afirmou que o repasse de R$ 500 mil da Odebrecht ao ministro Aloysio Nunes, citado com Serra nesta investigação, é incontroverso. Esclareceu, contudo, que restam dúvidas sobre a 'origem e finalidade' da transferência. Generosa e apaziguadora, a procuradora acrescentou que os dois não têm com o que temer, pois a combinação entre a data do ocorrido e a idade de ambos garante a prescrição da pena. São, digamos assim, delitos provectos.

Há uma razão adicional para a tranquilidade dos tucanos. O relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal não é outro senão o ubíquo ministro Gilmar Mendes. Sempre que tem gente do PSDB envolvida, misteriosa e aleatoriamente, a escolha recai sobre Gilmar. Clarividente e imparcial, o ministro presidente não viu razões para se declarar impedido. O fato de Gilmar ter aberto as portas de sua casa para comemorar os 75 anos de Serra, está claro, não demonstra proximidade entre os dois.

A Lava-Jato, de fato, perdeu seu ímpeto. O governo está cuidando disto. Eliseu Padilha, cansado de esperar que o ministro Torquato Jardim encontrasse o momento oportuno para fazer a intervenção que lhe rendeu o cargo, chamou a si a tarefa e promoveu a troca da chefia da Política Federal. O nome do indicado surpreendeu a todos, mas basta olhar os citados como possíveis responsáveis pela indicação - Augusto Nardes, José Sarney e Gilmar Mendes- para saber que apito vai tocar.

Curitiba não se manifestou sobre a troca. A ficha dos integrantes da força-tarefa já deve ter caído. Sequer cogitaram recorrer à bravata usual, a renúncia. O pedido seria aceito prontamente. Faz tempo que Moro e colegas perderam a capacidade de usar o apoio popular à operação. Moro, o estrategista da turma, talvez já se tenha dado conta que em lugar de usar, foi usado pela 'opinião pública esclarecida'. As investigações já não contam com o apoio generalizado com que contavam tempos atrás.

Basta ler os editoriais de "O Estado de S. Paulo" para ter claro que a cruzada moralizante chegou ao fim. Nesta semana, por exemplo, o jornal comemorou o arquivamento de processos contra governadores. Significativamente, desqualificou os depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, sem os quais, como sabem todos que conhecem a história da Lava-Jato, a operação não teria saído do papel. Agora, com Temer no poder, delações apenas "colaboram para a disseminação da ideia de que o país está engolfado pela corrupção, que é o que pretendem justamente os justiceiros que as produzem". A conclusão é um primor: "Seu [delação] único efeito concreto é a desmoralização da luta contra os verdadeiros corruptos".

Por isso mesmo, porque pode dar como certo que não está entre os 'verdadeiros corruptos', Serra arregaçou as mangas e anunciou que vai à luta. Declarou que se sente renovado, com disposição para enfrentar as eleições do ano que vem. Não tem claro, contudo, qual cargo disputará, pois ainda "não possui elementos para poder decidir".

Aécio Neves, não sem antes fazer questão de estender o sacrossanto direito de se agarrar a cargos à ministra Luislinda Valois, com quem fez questão de ser fotografado, se apressou em fornecer um dos 'elementos' de que Serra carecia: o controle sobre o partido.

A destituição de Tasso Jereissati vai muito além do desembarque do governo. O que está em jogo é a candidatura do partido à Presidência em 2018. O presidente interino do partido influencia o sucessor de Aécio e este, por seu turno, caberá montar a convenção do partido que escolhe o candidato à Presidência.

O interventor nomeado por Aécio é ninguém menos que Alberto Goldman, que por acaso é próximo do senador José Serra e do ministro Aloysio Nunes. Entrevistado, o ministro declarou que a manobra de Aécio foi "legítima estatuariamente e correta do ponto de vista político". Disse ainda que a intervenção é a melhor forma de impedir que Lula vença a eleição de 2018.

Tasso já declarou publicamente que seu candidato à Presidência da República é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Não por acaso, Alckmin, acusou o golpe: "Eu não fui consultado. E, se fosse, teria sido contra, porque não contribui para a união do partido".

Já João Doria, sempre pronto a mostrar sua lealdade e firmeza de princípios, viu 'justiça' na ação de Aécio. Sequer enrubesceu ao apoiar o velho comunista que ontem queria ver vestido com o pijama listrado dos aposentados. O novo e o velho PSDB se confraternizaram.

Serra está certo. Isto é coisa de louco. Só um terapeuta dos bons para entender a 'tucanada'. O problema, contudo, não é a proverbial incapacidade do partido em tomar decisões. Ao contrário. Desde que optou por trafegar pela ponte armada por Temer e companhia, o PSDB tomou e vem tomando decisões. As erradas. As piores. Flerta seriamente com o suicídio eleitoral.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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