Pesquisa anterior, com outra metodologia, mostrava concentração menor. Recessão afetou resultado
Marcello Corrêa, Daiane Costa e Efrém Ribeiro / O Globo
RIO E TERESINA (PI)- O Brasil é mais desigual do que se imaginava. Dados da Pnad Contínua divulgados ontem pelo IBGE mostram que o grupo formado pelos 10% mais ricos concentrava, em 2016, 43,4% dos rendimentos no país. Em 2015, de acordo com a versão antiga do mesmo levantamento, esse percentual era de 40,5%.
Para especialistas, as estatísticas deixam claro que o país tem uma concentração de renda ainda mais gigantesca do que o antes estimado. A pesquisa divulgada ontem visitou aproximadamente 211 mil domicílios do país a cada trimestre — uma amostra bem maior do que os 151 mil lares investigados em 2015 na versão anterior da Pnad, que encontrou uma concentração de renda bem menor no país.
E, embora as pesquisas não sejam comparáveis, por causa de diferenças de metodologia, alguns analistas avaliam que os dois anos de recessão explicam essa piora nos indicadores de concentração de renda.
— Por mais que haja alteração da amostra, diria que os indicadores sugerem uma aceleração da desigualdade enorme — avalia o economista Cláudio Dedecca, da Unicamp.
Com muito dinheiro nas mãos de poucos, milhões de brasileiros acabam tendo que viver com menos do que o necessário para sobreviver. Segundo a pesquisa do IBGE, 44,5 milhões de pessoas viviam com menos que um salário mínimo em 2016. O grupo representa metade dos trabalhadores do país. Segundo a pesquisa, a renda média dessa população era de R$ 747 no ano passado — equivalente a um terço da renda média de todas as pessoas com trabalho.
ELETRICISTA VIVE COM R$ 450
Na avaliação de João Saboia, especialista em mercado de trabalho e professor do Instituto de Economia da UFRJ, o número reflete o aumento da informalidade causado pela recessão:
— Se tivesse todo mundo formalizado, trabalhando numa jornada de 40 horas semanais, receberia ao menos o salário mínimo. Mas tivemos, desde 2015, aumento dos conta própria, dos sem carteira e do trabalhador doméstico.
O eletricista Matuzalém Bastos Leal faz parte dessa estatística. Morador de Teresina, no Piauí, ele perdeu seu emprego com carteira assinada, no qual ganhava R$ 1.500 por mês. Passou a trabalhar como autônomo e, hoje, depende dos serviços avulsos para os quais é contratado, com renda mensal em torno de R$ 450.
O dinheiro é insuficiente para pagar aluguel. A compra de roupas e alimentos é garantida por R$ 500 que recebe da mãe, psicóloga em um Centro de Apoio Psicossocial de Teresina.
— Tem meses que chego a ganhar mais do que os R$ 450, mas tem meses que não aparecem novos trabalhos para eletricista. Então, fica menos da metade de um salário mínimo por mês. Quando não dá para comprar comida, minha mãe me ajuda e vou vivendo — diz Matuzalém.
Na outra ponta da tabela, o grupo formado por 1% da população recebeu, em média, R$ 27.085 mensais. O valor é 36,3 vezes maior que os R$ 747 recebidos pelos 50% mais pobres, do qual faz Matuzalém faz parte.
— Temos um número expressivo de pessoas na informalidade, como pequenos empregadores, conta própria. São pessoas que têm rendimentos do trabalho bastante inferiores. Do outro lado, 1% da população ocupada ganhando, em média, R$ 27 mil mensais. Por isso vivemos num país tão desigual — avalia Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimentos do IBGE.
Outro dado que mostra o nível de desigualdade é o chamado Índice de Gini. Em 2016, o indicador ficou em 0,549. Ele vai de 0 a 1, quanto maior, mais desigual é o país. Na análise de Marcelo Neri, diretor da FGV Social, os dados da nova pesquisa mostram uma desigualdade mais alta do que a pesquisa anterior mostrava, quando o Gini era de 0,493. Neri lembra que a recessão fez a desigualdade crescer por dois anos seguidos, 2015 e 2016, frente aos anos anteriores, mas, como a renda do trabalho voltou a crescer, dá sinais de melhora nos dois últimos trimestres de 2017:
— Essa queda por dois anos é a primeira desde 1989. Caiu a renda e aumentou a desigualdade e o bem-estar das famílias caiu por esses dois motivos. Mas agora já vemos uma luz no fim do túnel com a renda média voltando a crescer.
Para Dedecca, da Unicamp, os indicadores de desigualdade devem demorar a reagir:
— A experiência mostra que a recuperação da renda é mais lenta que a da atividade. O ambiente para 2018 é de expectativa de crescimento ao redor de 2% e 3%. A probabilidade é a tendência de desigualdade se manter.
Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia (Confecon), destaca problemas estruturais:
— O Brasil é um dos poucos países que não tributa dividendos. Essa tendência estrutural de maior concentração da renda e da riqueza agrava o problema e deve permanecer.
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