A negociação para a aprovação da reforma da Previdência passou a seguir o padrão usual do Congresso, que fere a lógica comum. Quanto mais desidratada fica a proposta, mais vantagens são ofertadas às bancadas parlamentares, que apoiam o governo a ponto de terem livrado o presidente Michel Temer de duas denúncias que o apeariam do poder.
Até a conversa fatídica do presidente com Joesley Batista, cujo teor foi revelado em maio, a reforma previdenciária, sempre qualificada de "impopular", vencera resistências e fora aprovada por comissão da Câmara, com reparos que não lhe retiravam muita potência. Desde então, a "impopularidade" da reforma cresceu, a popularidade do presidente, já baixa, desapareceu e as mudanças na previdência se tornaram nua e crua barganha por verbas, cargos e poder, moedas correntes em Brasília.
Com a oposição enfraquecida, Temer está sendo acuado por sua própria base de apoio, mas não se sente constrangido em ceder para obter a reforma possível, ainda que muito inferior às necessidades. Para um governo que aprovou a dura lei do teto de gastos, a reforma deveria ser a batalha mais importante do momento, pois sem ela o teto desaba. Mas o Planalto acena com concessões que podem piorar a situação crítica das contas públicas.
Quanto mais itens vão sendo expelidos do projeto inicial de reforma, mais distante parece ser reunir 308 votos favoráveis e mais alto é o preço colateral exigido pela base governista. Pelo bom senso, pode-se aceitar mudanças no projeto até que haja consenso sobre o que é viável de ser aprovado. Reduzida a seu cerne mínimo, como ele está agora, não há mais o que ceder.
A aprovação da reforma da previdência, mínima que seja, deveria ser uma prova da força de Temer, com a qual contam os investidores como demonstração de que o desastrosa expansão da dívida pública será interrompida. Na prática, está sendo uma lenta e longa demonstração de fraqueza do governo e de fisiologismo. Os deputados governistas fazem o papel deplorável de sempre: desde que o preço pago seja justo, pode-se votar projetos "impopulares".
O que é necessário para obter a aprovação da reforma da previdência se a oposição é contra e os que apoiam o governo não são a favor dela? Negociar a conta do apoio. Enquanto se tenta remendar o déficit das aposentadorias, fator que mais ameaça a solvência do Estado a médio prazo, os parlamentares agitam demandas como se não existisse um déficit público de R$ 159 bilhões.
Em meio a essas negociações sabe-se que a suspensão do reajuste dos funcionários públicos, feita por MP, pode ir para o espaço, e que os ruralistas estão obtendo mais benesses para pagar suas dívidas com o Funrural, mudando a MP apresentada pelo governo, diminuindo pagamentos, esticando prazos e reduzindo alíquotas do imposto. A previsão de renúncia fiscal de R$ 5,5 bilhões, feita pelos deputados, pode estar subestimada.
No calor da hora, uma comissão especial da Câmara aprovou o ressarcimento da isenção de ICMS para exportação de produtos e serviços (lei Kandir, de 1996). A União deveria aos Estados R$ 548 bilhões - com correção, cerca de R$ 700 bilhões. A proposta da comissão é que a União devolva R$ 19,5 bilhões em 2019 e R$ 29 bilhões em 2020.
O governo acena com uma negociação desses valores, bem abaixo deles, até mesmo porque não há dinheiro para isso. O presidente prometeu R$ 15 bilhões aos municípios e os líderes do governo deixaram o Congresso derrubar um veto de Temer a item de projeto que renegociava a dívida previdenciária de Estados e municípios, abrindo espaço para encontro de contas. Minas, por exemplo, alega que tem R$ 135 bilhões a receber como compensação por perdas com a lei Kandir e quer abatê-los da conta final, tornando-se até credora da União.
Na semana, o Planalto se meteu em uma enorme confusão com a indicação que não houve de Carlos Marun (PMDB), ex-fiel escudeiro de Eduardo Cunha (preso), para a Secretaria de Governo. O "centrão" reivindica o cargo e Temer, ao que tudo indica, deve aceitá-lo, depois de agradar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) com a nomeação do deputado Alexandre Baldy para a pasta das Cidades. Baldy esteve envolvido com o contraventor Carlinhos Cachoeira e foi citado em CPI que abafou o escândalo. Longe de ser um ministério de notáveis, pelas razões certas, com Marun ele descerá ainda mais a ladeira da reputação.
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