A entrada em vigor da Lei de Migração, na última terça-feira (21), representa inconteste avanço rumo a uma abordagem mais condizente com a realidade brasileira.
Afinal, revoga-se o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, gestado no fim da ditadura militar. Com foco na segurança nacional, o texto vedava aos não brasileiros, por exemplo, qualquer atividade política, até mesmo organizar reuniões.
Quando o atual diploma foi proposto, em 2013, já se lidava com um expressivo fluxo de haitianos que fugiam da destruição provocada pelo terremoto de três anos antes. Também se iniciava, em escala bem mais modesta, um ingresso de sírios, forçados a deixar uma nação assolada pela guerra civil.
Um dos acertos da lei, fruto de detido debate entre órgãos públicos e entidades civis, reside justamente na concessão de visto temporário para imigração por razões humanitárias, antes ignorada em nosso arcabouço jurídico.
O dispositivo, contudo, tornou-se objeto de contestação, em especial de grupos mais conservadores, sob o argumento de que haveria demasiada permissividade nas regras de entrada.
Segundo essa ótica, o país passaria a ser convidativo a criminosos ou suspeitos de terrorismo. Entretanto a norma prevê, naturalmente, o impedimento a estrangeiros enquadrados nessas categorias, e não há indício de que tal ameaça venha a se concretizar.
Na outra ponta, organizações de defesa dos direitos dos migrantes criticam o decreto que regulamenta vários aspectos da lei. Entendem que o governo, entre outras coisas, dificultou a emissão dos vistos humanitários ao atribuir aos ministérios da Justiça, das Relações Exteriores e do Trabalho a fixação de prazos e requisitos.
Na prática, adia-se com isso uma definição para nossa principal questão migratória na atualidade: os milhares de venezuelanos que cruzam a fronteira para escapar das privações impostas pelo regime de Nicolás Maduro.
Só no ano passado, 3.375 deles solicitaram refúgio ao Brasil —um terço do total de pedidos. Embora não haja uma contagem oficial, sabe-se que esse número compõe apenas uma pequena parcela dos que saem da Venezuela para cá.
Membros da base do presidente Michel Temer (PMDB), entre eles o senador Romero Jucá (PMDB-RR), defendem abertamente a recusa da acolhida a esse contingente, visto por eles como um ônus a ser arcado apenas por Maduro.
Sem desconsiderar os méritos da nova lei, faz-se necessário, como se vê, buscar aperfeiçoamentos. Trata-se de estágio natural para uma matéria complexa e que envolve múltiplos atores e interesses.
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