Durante 13 dias entre outubro e novembro a Gomes da Costa, a maior processadora de pescados da América Latina, deu férias coletivas para mil funcionários e paralisou a produção de sardinha e atum em lata. Foi a resposta possível à pior safra de sardinha dos últimos 20 anos, provocada, imagina-se, por impactos ambientais causados pela mudança climática somados à má gestão do governo federal dos recursos pesqueiros do país. O caso de extremo estresse de recursos naturais é simbólico, mas não é isolado nem exclusividade brasileira. Este mês, durante a Assembleia Ambiental das Nações Unidas no Quênia, a ONU Meio Ambiente divulgou estudos sobre a sucessão de crises ecológicas globais da atualidade. Em todas as frentes, no mar, no ar ou no solo, más notícias atropelam as poucas boas.
Os relatórios dizem que anualmente oito milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos. A continuar assim, alerta a ONU, em 2050 haverá mais plásticos no mar do que peixes. A poluição do ar, por seu turno, é o que mais mata seres humanos - sete milhões de pessoas ao ano. Efluentes com antibióticos e bactérias lançados no ambiente desencadeiam um ciclo de evolução que produz cepas mais resistentes e pode levar a superbactérias. O cenário desolador arrancou de Edgar Gutiérrez, presidente da assembleia, a constatação de que "fomos tão ruins em cuidar do planeta que temos pouco espaço para cometer mais erros".
É verdade que há dois anos conseguiu-se fechar o Acordo de Paris, conquista do multilateralismo que agora tem que ser implementada. O acordo está, contudo, bem aquém dos esforços necessários apontados pelos cientistas para impedir as piores catástrofes climáticas. Os debates para dar concretude ao texto produzem confrontos recorrentes entre países ricos e em desenvolvimento. Para piorar, Donald Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do acordo e incentiva a produção de combustíveis fósseis. O cético do clima Scott Pruitt, que Trump colocou à frente da EPA, tem se esforçado para desmontar a agência ambiental americana. A revista britânica "Nature", que todos os anos lista os 10 cientistas mais relevantes do período, acaba de colocar Pruitt entre os nomes que mais influenciaram a ciência em 2017. O sarcasmo da escolha é explicitado pela "forma eficiente" como o advogado de Oklahoma está desmantelando a EPA e minando os avanços dos cientistas americanos.
Tudo isto em um ano que Gary Cohen, fundador da ong Health Care Without Harm, diz que será lembrado como aquele em que a mudança do clima bateu na casa dos americanos. "Imagens de ursos polares boiando sobre pedaços de gelo derretendo deram lugar a cenas de famílias que perderam casas, pessoas fugindo em busca de segurança e comunidades lutando para se recuperar da devastação", escreveu. A soma dos danos da temporada de furacões nos EUA, enchentes e secas ultapassou US$ 265 bilhões.
As más notícias ambientais devem seguir em 2018. No combate à mudança do clima, não há liderança mundial. A chanceler alemã Angela Merkel, que já foi conhecida como "Klimakanzlerin" está às voltas com dramas domésticos e não pode decidir-se pelo abandono do carvão para cumprir as metas climáticas alemãs, como queriam os Verdes. O presidente francês Emmanuel Macron é candidatado à vaga, mas sua recente cúpula para celebrar os dois anos do Acordo de Paris foi um show midiático de pouco conteúdo.
Neste mundo à deriva, o Brasil anda para trás. O investimento federal em ciência e tecnologia é o menor da história. A redução na taxa de desmatamento é uma conquista tênue, obtida mais pelas ações de comando e controle do Ibama do que por uma política de desenvolvimento da região. Altamira, a cidade onde fica a usina de Belo Monte, é a mais violenta do país, segundo o Atlas da Violência 2017, sinal evidente de que essa forma de desenvolver agrava questões sociais. Os conflitos fundiários recrudesceram na Amazônia e seguem com estopim aceso em 2018, ano em que a Constituição faz 30 anos e capítulos como o dos direitos indígenas estão em xeque. Em ano eleitoral, momento em que a agenda econômica irá naturalmente prevalecer, o recorte ambiental tem a chance de ser compreendido como urgente, grave e estruturante para o Brasil. Depende de os candidatos compreenderem que a transição brasileira rumo a uma economia mais sustentável não é ônus, é oportunidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário