- Folha de S. Paulo
Lula nunca diria a jornalistas: 'Façam como Mino Carta, Paulo Henrique Amorim e os blogs sujos'
Lula nunca diria a jornalistas: "Façam como Mino Carta, Paulo Henrique Amorim e os blogs sujos; leiam o processo".
Porque Mino Carta, Paulo Henrique Amorim e os blogs sujos nunca precisaram ler processos para que a Secom de então patrocinasse sua luta contra, como é mesmo?, a "mídia tradicional". Nota: tal discurso foi sequestrado pela extrema direita. E segue asqueroso.
Mas Lula disse na quarta (20) a jornalistas: "Façam como Reinaldo Azevedo. Leiam o processo". Sim. Eu leio. Os que dizem respeito a Lula e a alguns outros.
Abaixo, leitor, vai uma digressão, quase um apólogo –uma pequena narrativa que encerra uma sabedoria de sentido moral.
"Façam como Reinaldo Azevedo" é um conselho em favor da prudência. Sou disciplinado e cumpridor de regras. Sempre fiz a lição de casa. Até a terceira série, este então gordinho de óculos levantava a mão e dizia:
"Professora, a senhora esqueceu de 'dar vista' à lição." Um dia, o aluno mais vagabundo da sala, mas bom de bola –ele decidia quem vivia e quem morria no futebol–, me deu um esporro. A linguagem presente, teria dito: "Pare de ferrar seus colegas. Você é um cara legal!"
Houve uma negociação sem palavras. Parei de ser tarefeiro meio alcagueta –afinal, aquela era uma função da professora, não minha. E nunca mais passei pela humilhação de ser o último escolhido na hora de formar os times.
Li Maquiavel, acho, uns seis ou sete anos depois. Com um marginal da sala, a primeira lição de "O Príncipe". Depois tivemos uma atividade clandestina comum. Ele sempre tinha cigarros. Eu também. Não sei como conseguia os dele. Sei como conseguia os meus. No tempo de eu ser criança, eram comuns festas as mais variadas em que se jogavam argolas para ganhar maços de cigarro. Por alguma disfunção cerebral qualquer, descobri que era bom nisso. Sou até hoje. A gente não vendia nada. Só granjeava simpatias.
Os marginais até se irritavam com o fato de eu não passar cola, mas tinham orgulho de eu ser um deles e ganhar medalhas. Davam-se medalhas por desempenho, naquele tempo, em escolas públicas, para os primeiros colocados. Eu era o medalhado da escória. Eles me protegiam da solidão, e eu os livrava, na medida do possível, dos castigos. Volto a Lula.
Política é uma negociação de competências entre humanos precários. Inexiste entre santos, que nada têm a explicitar a não ser essencialidades vocacionadas para o bem, o belo, o justo, o verdadeiro, o supra-humano. Mas existe entre os impuros. Meu repúdio à esquerda deriva, em boa parte, de seu suposto exclusivismo moral, que lhe facultaria a licença de recorrer a qualquer meio para atingir uma finalidade superior, acima das vulgaridades e vicissitudes humanas. Independentemente dos ladrões que apareceram pelo caminho, esse foi o vetor que conduziu o PT à perdição.
Sou o que criou os termos "petralha", "esquerdopata" e "esquerdofrênico", entre outros. Também pespeguei em Lula os apelidos de "apedeuta", "Babalorixá de Banânia" e "Macunaíma do Triunfalismo". Os porões do PT não me perdoaram e conseguiram fechar minha revista. A Secom do petismo pediu, sem sucesso, minha cabeça a patrões, enquanto financiava aqueles cujo texto Lula jamais pedirá que se leiam. Os companheiros nunca conseguiram roubar meus empregos, feito só alcançado pela banda fascistoide da Lava Jato. Mas repus o estoque no mesmo dia.
E, no entanto, Lula disse a sério a jornalistas: "Façam como Reinaldo Azevedo; leiam os processos". Uma coitada, que não os lê, riu alto da ironia errada. Se não for eu a dizer que Moro condenou o petista sem provas –não estão nos autos ao menos, e é isso o que importa ao Estado de Direito–, será quem? Essa coragem não é própria a quem, para existir, depende da boa vontade de estranhos –petistas ou antipetistas.
Querem saber? Eu também digo: "Façam como Reinaldo Azevedo".
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