O Brasil conta enfim com uma carta essencial de direitos de aprendizagem e obrigações da escola, batizada Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Incompleta, decerto, pois falta a parte do ensino médio —e mesmo quanto ao fundamental há pendências no texto recém-homologado, vez que não se resolveu a questão divisiva da educação religiosa.
Ainda assim, é um bom começo.
Só o começo, ressalve-se. Um documento com objetivos claros não garante, pelo simples fato de existir, que venham a ser alcançados já em 2020, quando a base deverá estar implantada. Resta um trabalho hercúleo pela frente.
De todo modo, não deixa de ser admirável que o passo inicial tenha sido dado. Desde 2015, sob dois presidentes e um processo de impeachment de permeio, o Ministério da Educação logrou apresentar três versões anteriores da BNCC.
Os equívocos de fundo ideológico do primeiro documento foram expurgados a tempo, ainda que num processo de discussão de início desorganizado.
De 12 milhões de comentários colhidos em consulta pública, a BNCC progrediu para um documento mais concatenado e útil, apesar de longo (466 páginas).
Será necessário que governos estaduais e prefeituras concretizem os objetivos em currículos adaptados às condições regionais e locais. Cumpre ainda produzir material didático coerente com a base e treinar professores nas técnicas didáticas correspondentes.
Em paralelo haverá que adequar sistemas e exames de avaliação. Mais do que verbas, imprescindíveis mas escassas, o esforço demandará um empenho de coordenação e liderança do governo federal que talvez só se apresente, com sorte, após a eleição presidencial de 2018.
Antes disso, resta superar o impasse do ensino religioso. O equívoco dos constituintes ao determinar a obrigatoriedade de aulas dessa matéria na educação pública, mesmo que de matrícula facultativa, foi coonestado pela maioria do Supremo Tribunal Federal, em setembro, ao admitir que elas possam ter caráter confessional.
O MEC diz aguardar que se publique a decisão do STF para definir como tais conteúdos figurarão na BNCC —se apenas como componente curricular em ciências humanas ou na condição de área de conhecimento à parte.
É lamentável que o debate ainda se coloque nesses termos.
Primeiro, porque fé religiosa não se confunde com conhecimento, no sentido que o mundo moderno dá à palavra. Depois, porque o princípio da laicidade do Estado implica eliminar aulas confessionais da escola pública.
Soa absurdo desviar energia e recursos de um ensino oficial medíocre como o brasileiro para agraciar igrejas, de qualquer denominação, no que deveria ser a mais republicana das instituições.
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