sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Míriam Leitão: Mistério e risco

- O Globo

Há uma velha máxima de que ministro da Fazenda só é popular se estiver fazendo alguma coisa errada. Portanto, quem ocupa esta pasta nem deveria querer a popularidade, porque isso certamente afetaria a tinta da sua caneta, com a qual ele toma decisões necessárias, mesmo que impopulares, e rejeita os muitos pedidos de vantagens com o dinheiro público.

Oministro Henrique Meirelles tem 75% de desaprovação e apenas 6% de aceitação, segundo o barômetro político Estadão/Ipsos. E pertence a um governo cuja aprovação se aproxima de zero. Sua candidatura pelo PSD, assumida claramente no programa partidário desta semana, e na entrevista que concederá na sede do partido hoje, é um mistério e um risco.

Mistério é em que se sustenta uma candidatura assim tão sem perspectivas? O que leva Meirelles a pensar que ele conseguirá vencer as barreiras praticamente intransponíveis da impopularidade do atual governo? Se ele fosse uma pessoa com carisma e capaz de inspirar empatia natural, mas entre os seus atributos não estão estes.

O risco é maior do que o mistério, porque o país está numa situação complexa. Tem um enorme déficit primário, o Orçamento de 2018 está sem bases porque não foram aprovadas as medidas de ajuste fiscal, que estão sendo barradas na Justiça, como a do adiamento do reajuste salarial do funcionalismo federal. Há uma reforma da Previdência que precisa ser defendida. E talvez seja preciso subir impostos. Um ministro da Fazenda com uma agenda de candidato poderá se equilibrar por mais de três meses nesse duplo papel? Como ministro, ele precisa ter rigor, dizer muito “não” aos lobbies, defender medidas amargas e rejeitar os pedidos dos seus colegas dos ministérios setoriais. Se ficar bem falado pelos colegas da Esplanada dos Ministérios estará fazendo algo errado, para atrair o apoio de eleitores terá que tomar decisões perigosas.

Ontem, o ministro disse que não está descartado o aumento de impostos. Isso provoca antipatia geral do público pagante de impostos porque a carga tributária já é alta. Quando fez essa declaração, talvez mirasse as agências de risco que estão ameaçando mais um rebaixamento do Brasil, pelo fato de não haver perspectivas de aprovação da reforma da Previdência, o que piora as projeções do déficit público e da dívida. Mas o que agrada à S&P ou à Moody's não tem capacidade de atrair votos numa disputa presidencial.

O ministro pode estar pensando no precedente criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que saiu do Ministério da Fazenda para uma candidatura bem sucedida. Mas FH fez a primeira campanha no meio da implantação do Plano Real e aquela conjuntura não pode ser reproduzida.

Meirelles quer capitalizar os avanços que este governo conseguiu na economia, ao tirar o país da recessão e da inflação de dois dígitos deixadas pela expresidente Dilma. Mas essas conquistas não levaram a um aumento significativo do bem-estar econômico, porque o clima ainda é recessivo, e o desemprego, alto demais. A cesta de Natal está mais barata, alimentos estão com preços menores, caíram os aluguéis, mas a população ainda tenta esticar o orçamento após um período de queda forte da renda e aumento do endividamento e do desemprego. O que foi conseguido pela atual política econômica, e por uma safra espetacular, não teve o mesmo efeito de mudança da água para o vinho que se conseguiu em 1994 com o Plano Real que derrubou a inflação. A taxa acumulada foi de 258% no primeiro semestre daquele ano eleitoral, e de 17% no segundo semestre. Na travessia de um para outro ambiente econômico, o eleitor foi às urnas.

Eu ouvi a frase que abre esta coluna do economista Mário Henrique Simonsen. E ele se referia à popularidade de Dilson Funaro, em 1986. Funaro era aplaudido nas ruas de todo o país, no auge do Plano Cruzado, que levou à maior vitória do PMDB no país. O tamanho do erro da Fazenda pôde ser medido na volta da hiperinflação. Agora o contexto é outro. Nada haverá que por um passe de mágica alavanque a candidatura do ministro da Fazenda. O risco é ele usar os próximos três meses para, com cabeça de candidato, tomar decisões populistas na cadeira onde deveria estar pensando em medidas que ajudassem à estabilização fiscal, mesmo que fossem impopulares.

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