quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Fernando Exman: Um amplo banco dos réus em Porto Alegre

- Valor Econômico

Julgamento coloca corrupção no centro do debate eleitoral

O julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, hoje, coloca o PT e seu pré-candidato à Presidência da República em desvantagem competitiva neste início de ano eleitoral. Não será apenas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, quem estará no banco dos réus em Porto Alegre. Independentemente de sua decisão, o TRF-4 colocará em evidência o combate à corrupção no país, tema que representa um desafio a toda a classe política. Inclusive para Palácio do Planalto e para os partidos antagônicos ao PT.

Uma eventual condenação de Lula em segunda instância e o consequente início das discussões sobre seu enquadramento na Lei da Ficha Limpa são fatores que afligem a cúpula petista, o próprio ex-presidente e quem mais puder vir a recorrer das decisões do juiz Sergio Moro ao TRF-4. Mesmo assim, são fatos que não deixariam de mobilizar os militantes mais entusiasmados ou reduziriam o poder de Lula nas articulações entre os partidos de esquerda - seja para ampliar a base de apoio a uma candidatura própria como para turbinar uma chapa encabeçada por algum aliado.

Ao campo governista tampouco interessa que a temática da corrupção se mantenha no centro do debate. Partidos da base e seus principais dirigentes, os quais também serviram às administrações petistas e se serviram por muito tempo da Petrobras e de outras estatais antes de migrar para o governo Michel Temer, foram citados na Operação Lava-Jato e certamente serão confrontados por adversários e eleitores.

O próprio presidente da República tem padecido com a ojeriza da população a casos de corrupção envolvendo seus representantes. Não por causa da narrativa segundo a qual a eventual condenação de Lula seria mais um capítulo da suposta trama que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, como gostaria o PT, mas porque a recuperação da popularidade de Temer e o aumento de sua força no processo sucessório passam necessariamente pela percepção da população em relação à legalidade dos atos praticados pelo presidente e a como o governo está combatendo irregularidades e a corrupção política.

É compreensível, portanto, que Temer tenha mencionado, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", que iniciará uma batalha por sua "recuperação moral" e não aceitará deixar o cargo com a pecha de quem "incorreu em falcatruas". Principalmente em um momento no qual até mesmo aliados passaram a argumentar que a reforma da Previdência Social não foi aprovada pela Câmara dos Deputados porque o Palácio do Planalto precisou mobilizar a base governista para barrar as duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente.

Autoridades do Palácio do Planalto estão atentas ao humor da população. Já chegaram sinais à Presidência de que, pelo menos nas ruas, a propaganda oficial conseguiu reduzir as críticas à reforma da Previdência. A mensagem de que a proposta combaterá privilégios, sobretudo no setor público, ganhou adeptos. Por outro lado, essas mesmas autoridades notaram que a corrupção lidera as críticas à atuação da administração federal entre quem desaprova o governo e é vista como uma das grandes causas da crise econômica enfrentada pelo país.

Temer teve seus piores índices de aprovação em meio às denúncias do Ministério Público e aos desgastes da base governista para barrá-las na Câmara dos Deputados. Na sequência, após a divulgação de diversos indicadores econômicos positivos, comemorou melhoras nas pesquisas de avaliação e observou, diante da tibieza dos pré-candidatos de centro, aliados defenderem a possibilidade de o próprio presidente entrar na disputa eleitoral a fim de defender o legado de seu governo.

Ainda é incerto o impacto do recente surto de febre amarela na avaliação do Executivo. Para desgosto do governo, a população em geral até agora não credita a Temer avanços econômicos como a queda da inflação e o crescimento da atividade. Mas algo que o governo tem certeza é que precisará mostrar aos cidadãos que o combate à corrupção é tratado com prioridade, para ser mais bem avaliado.

O presidente da República, na ótica da população, também responde pelos atos de integrantes de sua equipe e deve se responsabilizar pessoalmente pelo combate a malfeitos denunciados. Dilma Rousseff, por exemplo, viveu o ápice de sua popularidade em razão da "faxina" que conduziu em seu governo. A ex-presidente demitiu diversos ministros, afastando as denúncias do Palácio do Planalto. Tal comportamento, no entanto, contrariou partidos aliados, risco que Temer não está disposto a correr.

Dois episódios recentes simbolizam os desafios do Palácio do Planalto. Depois de demorar a agir para enquadrar a Caixa Econômica Federal nas regras que buscam reduzir o poder de influência dos partidos políticos em empresas estatais, o governo se viu obrigado a afastar vice-presidentes do banco. Por óbvio, a repercussão entre as siglas aliadas que indicaram esses executivos demitidos é negativa. O potencial dividendo político a ser obtido com medida, contudo, será incerto por um bom tempo.

Saindo do capital e indo para a área do Trabalho, Temer enfrenta dificuldades inesperadas para efetivar a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o primeiro escalão. E autoridades do governo vislumbram ainda mais desgastes na Justiça em futuras nomeações, uma vez que Temer receberá indicações dos partidos aliados quando precisar substituir os ministros que concorrerão a cargos eletivos.

Lula e seus aliados podem até ter razão em algumas críticas que fazem aos processos enfrentados pelo ex-presidente, mas de qualquer forma serão os mais expostos ao julgamento popular nos próximos dias. Mesmo assim, não são os únicos no meio político que têm algo a perder com a eventual dominância da agenda do combate à corrupção no debate eleitoral.

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