- O Globo
Para que efeitos da intervenção sejam estruturais, serão essenciais planejamento, inteligência, tecnologia
A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro já deveria ter ocorrido há mais tempo — e não apenas na segurança pública —, tendo em vista a putrefação das finanças, da política e a crescente convulsão social.
Há pouco mais de um ano, o estado autodeclarou a sua penúria. Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a relação entre a despesa com pessoal e a receita corrente líquida (RCL) no Poder Executivo deveria ser de 49% e estava em 61,73% ao fim de 2017. Na mesma época, a Dívida Consolidada Liquida — que deveria corresponder a, no máximo, 200% da RCL — estava em 232,06%. O descumprimento da LRF era camuflado nas informações oficiais, sistematicamente maquiadas. O ajuste fiscal promovido em 2017, alardeado pelo governador, foi uma imposição da Secretaria do Tesouro Nacional, a duras penas aceito pelo estado, unicamente porque não havia outra saída. A verdade é que o Rio de Janeiro já estava quebrado pela má gestão e pela corrupção.
De lá para cá, além dos indicadores fiscais, o que já era ruim ficou pior. Foram presos governadores, políticos e conselheiros do Tribunal de Contas. Arrastões, roubos e comércio de cargas roubadas, interrupções de vias públicas, invasão do Maracanã, tiroteios, assassinatos de policiais e até crianças mortas por balas perdidas passaram a fazer parte do cotidiano do carioca.
A população passou a conviver com a calamidade pública e, é obvio, receberá, de braços abertos, mais uma vez, as Forças Armadas. Resta saber, porém, se o efeito será apenas — como das vezes anteriores — o de uma dedetização mal feita, em que os insetos apenas se deslocam temporariamente para as áreas vizinhas e depois retornam.
Para que os efeitos sejam estruturais, serão essenciais planejamento, inteligência, tecnologia, a reconstrução e integração das polícias Civil e Militar, o combate intenso ao tráfico de drogas e de armas, a desestruturação das milícias e o enfrentamento rigoroso à corrupção dentro do próprio aparato policial.
Por outro lado, a anarquia no Rio de Janeiro, cujo ápice ocorreu no carnaval, foi um “achado político” para Temer e o MDB. A intervenção desviou o foco da fracassada reforma da Previdência, da crise fiscal e dos casos de corrupção que os envolvem e poderá melhorar a imagem do partido, caso os militares reduzam o caos. Na imagem de um boxeador que vinha sendo impiedosamente surrado no canto do ringue, Temer saiu das cordas. Mas daí a dizer que poderá ganhar a luta em outubro, como alguns assessores já preveem, vai uma distância imensa...
O que preocupa no que diz respeito à intervenção é, justamente, a “pirotecnia política”, que já se faz notar. A criação de um ministério extraordinário para a Segurança Pública é um exemplo. Afinal, o ministério atualmente existente já se chama Ministério da Justiça e da Segurança Pública e abriga os órgãos relacionados ao tema, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Fundo Penitenciário e Fundo Nacional de Segurança Pública.
Apesar do repentino interesse das autoridades pelo setor, de 2016 para 2017 as aplicações federais em todo o país para investimentos (obras, aquisição de equipamentos etc.) na função “segurança pública” foram reduzidas de R$ 1,1 bilhão para R$ 869,5 milhões, em valores correntes efetivamente pagos. No Orçamento de 2018, recém-aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Temer, os investimentos autorizados na função segurança pública somam R$ 1,3 bilhão, enquanto o valor aprovado em 2017 chegou a R$ 1,7 bilhão. Ou seja, os políticos correm, agora, para aumentar o que recentemente diminuíram. E cairá, como sempre, no colo da União a conta do descalabro político-financeiro do Estado do Rio de Janeiro.
Outros estados certamente reivindicarão auxílios semelhantes, até porque também possuem problemas relacionados à segurança pública. Paradoxalmente, o governo do Rio não possui verbas para consertar e abastecer as viaturas policiais, mas tem um estádio de futebol e um parque olímpico de primeiro mundo.
Um dos mais importantes filósofos do século XIX, Friedrich Nietzsche, dizia: “Os políticos dividem os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos”. Assim sendo, sobretudo em ano eleitoral e diante do caos que assola o estado, os cidadãos precisam estar atentos e cobrar providências definitivas. Da intervenção federal, comandada por um general, esperam-se resultados muito melhores do que aqueles que as operações “espalha barata” produziram na ocasião dos grandes eventos realizados no Rio.
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Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
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