O Rio de Janeiro está entregue há muito tempo à bandidagem, engravatada ou não. As sucessivas administrações de políticos do partido do presidente Michel Temer, o PMDB, hoje MDB, destruíram o Estado, deixando com isso o terreno aberto à corrupção generalizada, que arrastou consigo os órgãos de segurança pública. Para um Estado com um aparato policial coeso, disciplinado, já seria difícil vencer a guerra contra traficantes de drogas e contrabandistas que chefiam um negócio bilionário e dispõem de farto armamento moderno. Um Estado em escombros, como o do Rio, é impotente tanto para coibir o ladrão de celular, o atacadista da droga ou políticos que roubam milhões.
Não é de hoje também a sensação de que alguma coisa precisa ser feita para conter a deterioração econômica, política e moral do Estado do Rio. A intervenção decretada, restrita a órgãos de segurança, procura atender a uma emergência real e pode ter efeito intimidatório relevante a curto prazo. Seu pleno sucesso dependerá de um plano de ação de longo alcance, ainda desconhecido até mesmo do governo que deslanchou a ação.
Os motivos para a adoção de medidas duras pelo governo Temer neste momento são obscuros. Não há como deixar de ver nela também um cálculo político-eleitoral arriscado - trazer para o Planalto a responsabilidade por consertar a destroçada segurança pública fluminense, que tem diante de si barões armados que controlam um dos principais pontos do trânsito mundial das drogas.
Decisões dessa magnitude não se improvisam, mas foi o que ocorreu. O presidente Temer resolveu agir na semana em que se colocaria em votação a reforma da Previdência, que coroaria sua imagem do político que executou as reformas de que o Brasil necessitava. As chances de aprovação, apesar das muitas concessões que o Planalto fez, eram remotas. Com a intervenção, a reforma saiu do centro das atenções, que passa a ser o drama do combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. Temer, além disso, está cada vez mais disposto a concorrer à Presidência em outubro.
A premência de ações para conter o caos, porém, é inequívoca. Em apenas um dia, 6 de fevereiro, a cidade do Rio teve três de suas principais artérias de trânsito paralisadas por tiroteios entre facções rivais de gangues do tráfico ou entre elas e a polícia, repetindo, em escala ampliada, a triste rotina da capital. Troca de tiros, saques e arrastões ocorreram durante o Carnaval, mesmo com a presença do Exército desde setembro no município. O governador e o prefeito não estavam na cidade. O primeiro, Luiz Fernando Pezão, alertado há muito para a falta de esquema de segurança apropriado para a festa, se disse surpreso com os eventos. O prefeito Marcelo Crivella, no exterior, juntou o escárnio à irresponsabilidade ao postar nas redes sociais mensagens de seu tour europeu que pareciam vindas de outro planeta.
Ambos os políticos se sentiram aliviados por terceirizar suas responsabilidades. Pezão, afilhado político de Sérgio Cabral, que está preso, já havia feito o mesmo com as finanças, oficialmente em estado de calamidade desde 2016 e dependentes de empréstimos bilionários da União. A bancarrota financeira só poderia agravar um quadro ruinoso construído pelo descaso dos políticos locais, grande parte deles envolvidos em roubalheira em escala oceânica. O Estado consome mais de 60% de suas receitas com pessoal ativo e inativo e nem isso mais consegue. Seus policiais estão com salários atrasados, sem equipamentos para encarar as mais simples missões.
É sabido que a força pura e simples não derrotará o crime organizado. Sem um plano consistente de reconstrução do aparato policial não se vai muito longe. O uso da infraestrutura de escolas e hospitais tem sido muito prejudicado pelos constantes tiroteios, nos quais a população carente é a principal vítima.
Os primeiros sinais indicam que o interventor pretende fazer a limpeza da banda podre da polícia, um bom e difícil começo. É vital, ademais, que se priorize o trabalho de inteligência em detrimento dos improvisados confrontos com gangues das drogas nos morros, que provocam baixas civis e atemorizam as populações. A intervenção precisa ter objetivos claros - ganhar tempo impedindo o avanço do crime organizado e criar as condições para a recomposição do Estado. Jogada eleitoreira ou não, dela depende a segurança da população fluminense.
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