sexta-feira, 6 de abril de 2018

César Felício: O desacordo, com o Supremo, com tudo

- Valor Econômico

Prisão de Lula terá impacto pelos precedentes que abre

A prisão de um ex-presidente está longe de ser inédita na história brasileira, mas jamais teve o efeito da que terá a que será feita hoje. Os predecessores de Luiz Inácio Lula da Silva no cárcere foram detidos como vítimas de ruptura institucional, em alguns casos, ou como sediciosos, em outros. Lula será preso, em cumprimento de sentença que levanta resistências na Justiça e na sociedade, mas que o desonra, ao carimbá-lo como ladrão. Impacta pelo precedente que abre, não pelos antecedentes históricos.

Suspeitas foram levantadas contra Juscelino Kubitschek, mas não foi por esta razão que ele foi preso nas escadarias do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia da decretação do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968. Tratava-se de uma guerra do governo de então contra as vozes dissonantes de sua visão de mundo, JK era um caso entre tantos.

Naquele mesmo ano Jânio Quadros já havia sido confinado na cidade de Corumbá por 120 dias. Foi preso por dar uma entrevista para a "Folha de S.Paulo", mesmo estando cassado. Café Filho ficou confinado em sua própria casa em 1955 para garantir paz à posse de Juscelino em janeiro do ano seguinte. Arthur Bernardes foi preso no meio de um canavial, quando tentava aderir à Revolução Constitucionalista, em 1932. Washington Luis foi preso em sua deposição em 1930. A prisão de Hermes da Fonseca em 1922 foi o estopim de um levante para tentar derrubar Epitácio Pessoa.

Os apoiadores de Lula disputarão a narrativa dos fatos. Procurarão aproximar seu caso destes precedentes histórico, onde o que estava em jogo era a disputa política. Tentarão que esta seja uma gesta heroica, evocando os 31 dias em que Lula ficou preso em 1980, ao liderar uma greve considerada ilegal pelo regime militar. O então sindicalista foi levado de sua casa sem resistência, em 19 de abril daquele ano. Esperava por isso, sua casa estava cheia de aliados em vigília, entre eles religiosos e jovens esquerdistas que estavam na gênese do PT.

A estadia de Lula no Dops em 1980 foi um acontecimento, por mais que o governo de então procurasse retirar o dramatismo da situação. Era uma ditadura em seu final e buscava-se não abrir mais feridas na sociedade para se garantir um espaço na transição que fatalmente viria, como veio. O próprio diretor do Dops, Romeu Tuma, fez carreira política e no Senado destacava-se pela moderação.

Lula possivelmente tentará emular este momento. A prisão de hoje, contudo, terá um significado diferente. Representa por um lado um ponto de inflexão na blindagem da classe política em relação à Justiça. Aqueles que perderem o foro privilegiado este ano e que estão sob investigação hoje devem se preocupar.

Por outro lado, mais estranhezas vão se somando a um processo que parece assimétrico em relação ao de outras forças políticas. Tudo corre célere contra o ex-presidente que lidera pesquisas de opinião: o exame dos recursos, o julgamento na segunda instância e a expedição de mandados. É um sinistro indício de que há politização do Judiciário.

A estratégia
Em um café da manhã no dia seguinte ao frenesi de 11 horas no Supremo Tribunal Federal (STF), um advogado que representa clientes de peso enrolados na Lava-Jato não escondia o estupor e o desalento.

Havia assistido a tudo em Brasília na véspera. A mudança da jurisprudência a respeito do cumprimento provisório de pena após decisão em segunda instância é importante nas estratégias que monta para sua clientela. Falando aceleradamente, o advogado constrói um raciocínio pelo qual os defensores da revisão da norma caíram em uma armadilha, na qual a peça central foi a presidente da Corte, Cármen Lúcia.

Faria parte da trama colocar o tema na véspera da decisão de Porto Alegre sobre o último embargo, retardar a discussão com quatro horas de debate sobre o conhecimento ou não do habeas corpus e postergar o término do debate em uma semana em que Gilmar teria dificuldades de acompanhar todo o julgamento. Toda a equação estaria montada para que o voto decisivo coubesse à ministra Rosa Weber, que na avaliação deste espectador é de todos os ministros a mais insegura.

Para este advogado, a discreta ministra gaúcha tem por hábito proteger-se em seus votos com uma linguagem absolutamente impenetrável para leigos. Proferir suas opiniões em outro idioma seria um mecanismo de defesa. Rosa Weber não teria a segurança suficiente, ou coragem, ou audácia, seja o que for, para dar repercussão geral no julgamento de um habeas corpus específico. Ou em suas palavras, decidiu aplicar "horizontalmente as decisões do plenário mesmo quando não têm efeito vinculante".

A manobra exasperou Marco Aurélio em plenário. "Confesso que eu não sabia o sentido de seu voto. E tenho alguma experiência no colegiado", afirmou. Rosa Weber sentiu o sarcasmo e devolveu em bom português. "Mas o meu voto é tão claro, quem me acompanha nestes 42 anos de magistratura não poderia ter a menor dúvida em relação ao meu voto. Porque eu tenho critérios de julgamento e procuro manter a coerência de minhas decisões".

A conclusão de fundo é mais abrangente e mais cínica. Por alguns anos a elite política, a elite empresarial e governamental acreditaram em um conto que teve como autor primeiro o falecido ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. O de que seria possível fazer um acordão para manter dentro de certos limites o furor da primeira instância e do Ministério Público.

Recorde-se o inesquecível diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado em 2016. Estavam os dois políticos- importante destacar- tendo uma conversa após a decisão do Supremo estabelecer a regra do cumprimento da decisão após a segunda instância. Vale relembrar alguns trechos:

Machado: Objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez, vai todo mundo delatar". Jucá: "Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer". Machado: "Odebrecht vai fazer". Jucá: "Seletiva, mas vai fazer"[...] tem que mudar o governo para estancar esta sangria". Machado: "A solução mais fácil era botar o Michel [...] um acordo, botar o Michel num grande acordo nacional". Jucá: " Com o Supremo, com tudo"

Machado: "Com tudo. Aí parava tudo". Jucá: "Delimitava onde está. Pronto".

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