A rejeição do pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Supremo Tribunal Federal foi uma solução provisória quanto à questão constitucional - se é legal a prisão até que todos os recursos legais estejam esgotados -, mas praticamente definitiva em relação ao destino do candidato que lidera as pesquisas eleitorais. Lula deverá ser preso hoje e estará alijado da campanha e, se for solto, terá de suplantar a barreira quase intransponível da Lei Ficha Limpa, após sua condenação por dois colegiados.
Se Lula ficará preso até as eleições, porém, é outra história. Com o voto definidor da ministra Rosa Weber que, contra sua convicção pessoal, deu primazia à coerência das decisões do STF, a Corte, com toda sua algazarra e discricionaridade em suas decisões, protelou a revisão do entendimento de que é possível a prisão após a segunda instância. Os debates em plenário deixaram claro que é certo que isso ocorrerá depois, com o apoio de Rosa Weber, que julgou que o habeas corpus não era o instrumento apropriado para provocar uma decisão vinculante e geral sobre o assunto. Isso ocorrerá na apreciação das Ações Diretas de Constitucionalidade. Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, o plenário do STF já mudou seu entendimento - e ele queria que o recurso de Lula fosse aceito por isso.
Submetido a pressões de todos os lados desde que a Operação Lava-Jato começou a prender e processar dezenas de políticos e empresários de peso, o tribunal vem mostrando à luz do dia suas fragilidades e perdendo prestígio com isso. Já quase não se consolidam jurisprudências no Supremo, o que traz mais um sério problema a uma conjuntura política já repleta deles. O último entendimento sobre a questão que rondou o habeas corpus de Lula foi formado apenas em 2016, para ser desfeito em seguida pelo mercurial Gilmar Mendes.
Sem o norte seguro de claras decisões anteriores, os ministros estão decidindo ao sabor das conveniências políticas e filosóficas, apagando incêndios de crise em crise. É certo que o contexto não os ajuda. O foro privilegiado criou dois tempos de execução da Justiça. Contam-se nos dedos os políticos julgados na Corte em relação às várias dezenas que passaram pelo crivo do juiz Sergio Moro. A sensação de que a Justiça não usa o mesmo peso para todos têm no foro uma de suas origens, afora a incoerência das decisões dos ministros do STF.
As manobras da presidente do STF, Cármen Lúcia, de colocar à frente das ADCs o habeas corpus de Lula, não impediu o que queria evitar - a modificação da posição do tribunal sobre o momento em que as prisões são possíveis, praticamente definida anteontem. Forçar o julgamento do habeas corpus, porém, produziu um resultado político marcante. Primeiro, mostrou que o ex-presidente Lula não está acima da lei e que terá de cumprir suas penas como determina a lei. Depois, reduziu drasticamente as chances, se não as eliminou, de Lula concorrer mais uma vez à Presidência.
O capítulo legal, porém, não se encerrou. É mais que provável que Dias Toffoli, que substituirá Cármen Lúcia na presidência em setembro, coloque as ADCs em votação e reinstitua o reino da "jabuticaba", onde recursos seguem-se a recursos até a prescrição, para quem tem advogados caros e pode pagar por eles. Lula pode ser solto, como muitos outros condenados por corrupção e crimes comuns e o incentivo às delações premiadas que a perspectiva de prisão ensejava perderá seu atrativo. O ministro Marco Aurélio, por outro lado, que não se conformou com o resultado da votação em plenário, foi sorteado para examinar um pedido de liminar do PEN para que se impeça a execução antecipada da pena até que o plenário do STF se pronuncie sobre o mérito das ADCs. Tudo é possível.
A decisão do STF abre um novo capítulo político, de enredo aberto. O "centro" está à espera de um candidato que o represente - e há muitos - e o legado da esquerda está em disputa. A influência de Lula, preso, é menor e indireta. Sem Lula no páreo, em tese aumentam as chances de vitória de um candidato "reformista", mas nenhum deles chegou a dois dígitos até agora. Se candidato, Joaquim Barbosa, mexe com o tabuleiro em direções ainda difíceis de prever. Ciro Gomes e Jair Bolsonaro têm chances em um primeiro turno sem favoritos e com muitos candidatos. A corrida eleitoral se adensa agora.
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