segunda-feira, 16 de abril de 2018

Fernando Limongi: The day after

- Valor Econômico

Em jogo, o velho ditado sobre a mulher de César

A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva desorientou a todos. No domingo, quando o ex-presidente embarcou em um carro da Polícia Federal, houve quem comemorasse nos bairros nobres de São Paulo, batendo panelas e soltando rojões. No dia seguinte, o dólar subiu e a bolsa caiu. A prisão não entusiasmou o mercado.

Há algo muito estranho aqui. Quando reagiu com o fígado, o cidadão foi para a janela e festejou como se seu time tivesse levado a taça. Ao acordar, levou a mão ao bolso e se deu conta de que não havia o que comemorar.

Não se confunda. Não está em discussão se Lula deveria ou não ser preso. Disso o Poder Judiciário se ocupou. Dura lex, sed lex. Alguns acham que de acordo com o rigor da lei, outros que por motivação política. Esse debate não terá fim. Uma parte não convencerá a outra e insistir nessa conversa é deixar de se ocupar do que importa e que, de fato, pode por termo à briga. Vencedores e perdedores serão definidos com a contagem dos votos em outubro e a transmissão da faixa presidencial em janeiro.

Uma eleição sem Lula é inaudito. Queira-se ou não, a disputa politica no Brasil antes de sua prisão girava em torno do ex-presidente. Estava na frente nas pesquisas eleitorais e seu partido conta com o maior número de adeptos no país. Não era certo que ganharia, mas era o candidato mais forte e com maior penetração entre os mais pobres. Sua retirada forçada gerou um vazio e jogou os demais candidatos em um atoleiro.

O cenário eleitoral tornou-se ainda mais incerto e indefinido. O PT e Lula perderam, mas entre os dois lados em que o país se encontra dividido, não é certo quem saiu ganhando, se os que comemoraram ou os que lamentaram a prisão de Lula. E quem vai decidir não foi às ruas a favor de um lado (poucos atenderam a convocação do Vem Pra Rua e do MBL para pressionar o Supremo Tribunal Federal), ou do outro (o PT não trouxe multidões à porta do sindicato). Provavelmente, ninguém ficou indiferente, mas a incógnita permanece. Quem será o beneficiário efetivo da prisão: direita, centro ou esquerda?


O dia seguinte foi de incerteza, dúvidas e muitas especulações. A perplexidade maior, paradoxalmente, se apossou dos setores que não questionaram o acerto das decisões do Judiciário. Nada expressa melhor esse estupor que os editoriais de "O Estado de S. Paulo" e da "Folha de S. Paulo" publicados na quinta-feira.

Para o Bravo Matutino, Lula, ou o 'demiurgo de Garanhuns' como prefere chamá-lo, "descende de uma extensa linhagem de populistas e demagogos que há muito tempo alimentam as fantasias de milhões de brasileiros pobres" como as de que "um carro popular comprado a prestações a perder de vista ou um diploma numa universidade de quinta categoria bastariam para alçá-los à sonhada classe média". Líderes como Lula viveriam da venda de ilusões, como a de que seria possível progredir socialmente "sem a necessidade do esforço e responsabilidade". E aí moraria o perigo, pois não se sabe o que ocorrerá em novembro, se das urnas vai "emergir um governo com disposição para convencer os brasileiros que simplesmente não é possível atingir o desenvolvimento sem trabalho, esforço e sacrifícios". Resumindo a ópera: não há garantias de que a direita, cujo discurso enfatiza o esforço e critica a indolência dos que dependem do Estado para viver, ganhe a eleição em outubro, mesmo sem a participação de Lula.

A "Folha", mais fiel a seu estilo, foi mais comedida e razoável. Situando a questão, o texto parte da observação de que a prisão de Lula "acirrou velhas queixas acerca de uma suposta parcialidade da Operação Lava-Jato". A suposição é rejeitada, classificada de 'fantasiosa', mas não sem ressalvas: "Mas é fato que, por diferentes razões, expoentes do PSDB sob investigação têm escapado de condenações e prisões preventivas."

Entre 'as diferentes razões' que estariam jogando a favor do PSDB, cita-se "o direito ao foro especial e a lentidão dos tribunais superiores", proteção essa que o candidato à Presidência do partido, Geraldo Alckmin, perdeu ao renunciar a seu cargo.

A sorte - ou outra razão qualquer - parece ter continuado a favorecer os tucanos, pois, como descreve o editorial, "a ministra Nancy Andrighi, do STJ, remeteu a investigação que envolve o tucano à Justiça Eleitoral de São Paulo. Na véspera, a seção paulista da Lava-Jato havia manifestado a intenção de assumir o caso".

Descritos os fatos e levando em conta a prisão de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, a "Folha" evita avançar juízos definitivos, pedindo "cautela antes de avaliar a decisão da magistrada", mas sem deixar de sugerir que, quando envolve tucanos, as apurações não caminhariam de "modo célere e rigoroso, a exemplo dos padrões estabelecidos em Curitiba, sem distinção partidária".

No caso, o que está em jogo é o velho ditado sobre a aparência da mulher de César. Pesquisa da Ipsos aponta que há forte apoio popular à Lava-Jato e ao combate à corrupção e, mesmo, que a maioria ache Lula culpado (57%), ainda assim 73% dos consultados concordam que "os poderosos querem tirar Lula das eleições". Juntando todas essas informações, entende-se que, paradoxalmente, o PSDB seja a maior vítima da Lava-Jato. Vistos como tão pecadores quanto seu concorrente direto, os tucanos estariam sendo protegidos pelas suas relações com os poderosos. Pelo menos assim sugere o editorial da "Folha". O fato é, o centro também não ganhou.

O Datafolha desse domingo mostra que Lula não deixou sucessor. Impossibilitado de concorrer e preso, continua a liderar as pesquisas e não há quem herde seus votos quando retirado do questionário. Aceite-se ou não, as cartas na politica brasileira são dadas pelas aspirações da base social que Lula vocaliza. Aspirações legítimas e reais, que não podem ser confundidas com a corrupção e o desejo de viver à custa do Estado.

O buraco criado é profundo, um atoleiro do qual dificilmente se sairá melhor do que se entrou.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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