Em apenas três dias da semana passada, o Banco Central da Argentina gastou US$ 4,34 bilhões para estancar a desvalorização do peso. Desde janeiro, as reservas encolheram em US$ 6 bilhões e se situam hoje por volta de US$ 58 bilhões. A forte alta tem intenso componente externo, como indica também a depreciação do real, mas no caso argentino tem ingredientes domésticos e um estigma estrutural. Grande parte da poupança argentina é feita em dólares e toda vez que a inflação ameaça se desgarrar, grande parte deles voam para fora do país. A recente revoada foi ainda obra de um imposto sobre renda financeira de investidores não residentes de 5%. E toda vez que o dólar sobe sem que o BC consiga detê-lo, sintomas de crise aparecem por todos os lados.
Ontem o peso se desvalorizou quase 3%, em um sinal de que alta dos juros decretada pelo BC, de 27,25% para 30,25%, ainda não produziu efeitos ou foi insuficiente para atingir os objetivos - é cedo para dizer. Lembranças de outros episódios de estrangulamento externo, marca registrada das crises argentinas, voltaram ao ambiente dos investidores. Desta vez, porém, o governo não está fazendo as coisas erradas que os governos Kirchner fizeram no passado recente. O BC não tenta manter uma paridade fixa, com explosão do câmbio paralelo, como nos últimos dias do governo de Cristina, nem utiliza amplamente as reservas para pagar gastos correntes.
Mesmo assim, a tesoura dos déficits gêmeos está cortando alguns pedaços da política econômica de Mauricio Macri. Com amortizações e juros, o déficit fiscal é de 5,4% do PIB, apenas um pouco maior que os 5,3% do PIB do déficit em conta corrente (Valor, ontem). Com ambos, a inflação saiu dos parâmetros fixados pelo governo, que teve de ampliar o centro da meta para 15% para este ano e provavelmente desbordará o teto (17%), segundo expectativa dos analistas, que preveem algo em torno dos 21%.
O governo Macri executa uma nova rodada de aumento de tarifas para reduzir os enormes subsídios praticados durante o período dos Kirchners e em abril subiram gás, luz e combustíveis. Anteontem foram anunciados reajustes de 26% na água e 46% nas passagens de metrô, parte de correção escalonada de 66% que levará a passagem em julho a 12,50 pesos - ou US$ 0,50, ainda assim, menos da metade da tarifa do metrô paulistano.
A recomposição tarifária é impopular e a abordagem gradual de Macri, que tem razões políticas, impede que a inflação seja reduzida com a velocidade necessária. Em 2017, os subsídios de energia foram reduzidos nominalmente em 40%, para US$ 6 bilhões, enquanto que o de transportes subiu 13%, para US$ 4,3 bilhões. A meta de 2018 é mais um corte de 45% para energia e elevação de 5% nos transportes.
O gradualismo de Macri segue a realidade de um governo que se elegeu sem maioria, avançou nas eleições legislativas do ano passado e ainda prossegue sem apoio majoritário no Congresso. Macri tem tido êxito em navegar entre as dissidências peronistas, mas nem sempre. Elaborado pela ala kirchnerista na Câmara dos Deputados, está a caminho de ser aprovado um projeto que retroage as tarifas aos valores de novembro de 2017 e proíbe aumentos reais em 2018 e 2019. Macri ameaçou vetar o projeto se ele receber a sanção do Congresso e manobra junto aos governadores peronistas para que seja barrado no Senado.
O duelo se dá em meio à diminuição da popularidade de Macri nas pesquisas e à derrocada do peso, o que contribui para piorar as expectativas de curto prazo. A seca argentina retirará divisas de exportação no momento em que o país perde reservas, enquanto o câmbio pressiona os preços domésticos também dos alimentos, que já subiram. O conjunto das circunstâncias tende a reduzir o crescimento previsto da economia, de 2,5%.
A Argentina não terá um impulso positivo adicional se depender de seu maior parceiro comercial, o Brasil. A recessão ficou para trás, mas a expansão brasileira caminha a um passo muito mais lento do que o necessário. A moeda de ambos está sendo alvejada pelos temores de uma alta mais rápida dos juros nos EUA. Macri continuará a não ter vida fácil até tentar a reeleição, o que, se chegar lá, será um feito considerável na história argentina - nenhum político não peronista conseguiu terminar seu mandato em mais de 60 anos.
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