quinta-feira, 3 de maio de 2018

Ribamar Oliveira: Os desafios fiscais do próximo presidente

- Valor Econômico

O ideal é tratar Previdência, teto e 'regra de ouro' juntos

O próximo presidente da República começará o seu governo tendo que decidir, ao menos, três questões fundamentais na área fiscal: se vai manter o teto de gastos, se vai alterar a chamada "regra de ouro" e qual será a nova fórmula de reajuste do salário mínimo. As respostas do novo mandatário a essas questões terão forte repercussão política e afetarão significativamente os mercados.

Qualquer que seja o candidato eleito, ele terá que enfrentar a realidade de grande deterioração das contas públicas. Em 2019, a União registrará o sexto ano de déficit primário consecutivo, com a dívida pública crescendo sem parar, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), pois o governo vem emitindo títulos para pagar suas despesas correntes, até mesmo as obrigatórias.

Cumprir o teto de gastos, instituído pela emenda constitucional 95, será uma empreitada difícil já em 2019. As informações que circulam na área técnica mostram que o atual governo só conseguirá elaborar uma proposta orçamentária para o próximo ano, cumprindo o limite de despesa, com a promessa de medidas restritivas adicionais, que ficarão a cargo, principalmente, do próximo presidente da República. Uma delas é adiar o aumento salarial dos servidores do Executivo previsto para janeiro. Com isso, a economia seria de R$ 5 bilhões.

Outra medida é aprovar até o fim deste ano o projeto que reverte a desoneração da folha de pagamentos de vários setores da economia, que está parado no Congresso. Se o texto original for mantido e aprovado até setembro, o ganho fiscal previsto é de R$ 16 bilhões (com aumento de receita e redução de despesas) no próximo ano.

Sem as duas medidas, os técnicos oficiais dizem que será necessário cortar ainda mais as chamadas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina, exceto pessoal), que foram reduzidas ao nível de 2009. Novo corte nesses gastos poderá comprometer o funcionamento da máquina administrativa.

Em resumo, mesmo que o futuro presidente aprove medidas que reduzam despesas no próximo ano, ele continuará com grande dificuldade para cumprir o teto de gasto em 2020 e nos anos seguintes. Para entender melhor a questão é importante observar que todo o aumento no limite das despesas deste ano será consumido pelo crescimento dos gastos com benefícios previdenciários, do INSS e dos servidores.

O teto aumentou de R$ 1,309 trilhão em 2017 para R$ 1,348 trilhão neste ano - ou seja, o limite para o gasto da União subiu R$ 39 bilhões. A previsão de aumento da despesa com benefícios previdenciários em 2018 supera esse valor. Os gastos com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS), considerando civis e militares, subirão R$ 49 bilhões, de acordo com a publicação "Resultado do Tesouro", de março.

Isso ocorre por causa do crescimento vegetativo das despesas previdenciárias, acima de 3,5% ao ano, representado pelo aumento quantitativo dos benefícios a cada ano.

Assim, para que algumas despesas aumentem (como os gastos com educação e saúde), mesmo que apenas para manter o valor real que elas tiveram no ano anterior, outras terão que ser reduzidas. Os investimentos são sempre a vítima preferencial. O problema é que os investimentos da União chegaram ao seu nível mais baixo em décadas. É quase impossível continuar realizando cortes nesses gastos sem afetar fortemente os serviços oferecidos à população.

A dificuldade se agravará em 2020 e nos anos seguintes porque, mesmo que o novo presidente da República consiga aprovar uma proposta de reforma da Previdência razoavelmente consistente, os seus efeitos favoráveis sobre as despesas somente serão obtidos no médio e longo prazo.

Um estudo do Ministério da Fazenda, encaminhado no ano passado à CPI da Previdência do Senado, estimou uma redução de apenas R$ 1,7 bilhão nos gastos previdenciários (RGPS e RPPS) no primeiro ano de vigência da reforma (da proposta original do governo que foi amenizada pelo Congresso). Isto ocorreria por causa das regras de transição. No segundo ano, a redução seria de R$ 13,3 bilhões e de R$ 31,5 bilhões no terceiro ano. Isso significa que as despesas com benefícios previdenciários continuarão crescendo muito nos primeiros anos.

A pergunta que a equipe econômica do próximo presidente fará, então, é como cumprir o teto de gastos a partir de 2020? O pior caminho será acabar com o teto antes que os problemas fiscais atuais estejam devidamente equacionados. Se isto ocorrer, os mercados certamente entrarão em uma trajetória conturbada, com grave repercussão para a recuperação da economia do país.

Nesse contexto, a aprovação de uma consistente reforma da Previdência dará autoridade ao futuro presidente para propor uma solução para o teto de gasto que seja exequível. Uma ideia talvez seja ajustar o aumento da despesa ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), como alguns chegaram a propor na época em que se discutiu a PEC do teto. Dar este passo antes da aprovação da reforma da Previdência, no entanto, poderá resultar em um desastre.

A questão da chamada "regra de ouro" parece mais fácil de resolver, pois bastará corrigir um erro cometido pelo atual governo. Quando propôs o teto para o gasto, por meio de emenda constitucional, o presidente Michel Temer deveria ter proposto mudança também da "regra de ouro". Bastaria dizer que ela seria suspensa enquanto durasse o novo regime fiscal.

Com os continuados déficits primários registrados pela União, é impossível cumprir a determinação da Constituição que manda só aumentar a dívida para pagar investimentos, pois o que está crescendo são justamente as despesas correntes obrigatórias. O ideal seria tratar estes três assuntos (teto de gastos, regra de ouro e reforma da Previdência) ao mesmo tempo.

A definição da nova regra para o salário mínimo não tem apenas a componente política. Há um aspecto fiscal relevante. Aumentos reais concedidos ao piso salarial aumentam as despesas previdenciárias e assistenciais, justamente as que se pretende reduzir. O ideal seria o próximo presidente propor uma desvinculação dos benefícios previdenciários do mínimo. Mas esta é uma batalha de grandes proporções.

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