Em cenas republicanas fortes, enquanto o ex-presidente Lula está preso em Curitiba, a filha de Temer, o atual, depõe sobre suspeita de lavagem de dinheiro de propina
O presidente Michel Temer tem demonstrado especial irritação com a evolução das investigações que tratam de rastros visíveis de obtenção de propinas supostamente decorrentes da edição de um decreto que teria facilitado a vida de empresas que atuam no Porto de Santos.
A inclusão de sua filha Maristela na lista de depoentes à Polícia Federal crispou de vez a face de Temer, sendo que ele mesmo já respondeu a questionário da PF. Mas, como professor de Direito constitucional, deveria entender que é assim que o Estado age nas Repúblicas.
O mais poderoso governante do planeta, o americano Donald Trump, por exemplo, está às voltas com um promotor especial que vasculha os subterrâneos da campanha que o elegeu, em que houve interferência de hackers do Kremlin, e até investiga uma história sórdida de chantagem e de compra de silêncio protagonizada por Trump e uma estrela do cinema pornô. É assim que organismos de Estado devem funcionar, independente de governos.
Na verdade, esta trajetória acidentada no terreno da ética que o presidente percorre era previsível, devido à sua origem: o PMDB, hoje MDB, conhecido conglomerado de caciques regionais e com sortido arsenal de ferramentas para garimpar dinheiro público.
Da Câmara dos Deputados, presidida duas vezes por Temer, saiu, por exemplo, Eduardo Cunha (RJ), também presidente da Casa, para as cadeias da Lava-Jato em Curitiba. Vice-presidente de Dilma, governante do ciclo lulopetista de corrupção, Temer dificilmente escaparia incólume. É o que se vê.
Este inquérito do decreto dos portos — que ontem a procuradora-geral Raquel Dodge permitiu prorrogar por mais 60 dias, se assim quiser o ministro do STF Luís Roberto Barroso — tem origem em delações premiadas feitas por Joesley Batista e Ricardo Saud, da J&F, controladora dos frigoríficos JBS.
Veio daí, também, a gravação, feita por Joesley, da comprometedora conversa que manteve com Temer nos porões do Palácio do Jaburu. E a história do decreto também envolve o ex-deputado Rocha Loures, o da corrida apressada por São Paulo puxando a tal mala com R$ 500 mil.
Há pelo menos um grampo legal em que Loures telefona para Temer a fim de saber do tal decreto, que interessava à Rodrimar e a outras empresas. Num dos mais recentes lances do inquérito, Maristela Temer depôs para tentar explicar o pagamento de reforma de sua casa em São Paulo, feito em dinheiro vivo, e ao menos parte pela arquiteta Maria Rita Fratezi, mulher do coronel da reserva da PM João Baptista de Lima Filho, o “coronel Lima”, homem de extrema confiança de Temer.
A suspeita é que na reforma do imóvel tenha sido lavado dinheiro de propina paga em troca do decreto dos portos. O caso é grave e talvez sustente uma terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente. As duas anteriores foram barradas na Câmara, mas deverão ser reativadas quando Temer deixar o cargo. Nada deve surpreender. Afinal, no momento, outro dos presos em Curitiba é o ex-presidente Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário