domingo, 24 de junho de 2018

Marcos Lisboa: Parlamento

- Folha de S. Paulo

Há o risco de discutirmos só a sucessão presidencial e nos esquecermos dos outros candidatos

O nosso presidencialismo mudou. Sem plebiscito ou emenda constitucional, o Brasil tornou-se um quase parlamentarismo.

A Constituição de 1988 concedeu ao presidente imensos poderes, como o de editar medidas provisórias com força de lei que podiam ser reeditadas sem qualquer restrição. O ministro da Casa Civil talvez fosse mais importante do que a liderança da Câmara.

Não mais. As medidas provisórias agora têm prazo de validade e são extintas caso não sejam aprovadas em 120 dias pelo Parlamento. O Orçamento público tornou-se impositivo, devendo ser cumprido pelo Executivo. Foi-se o tempo em que se bastava eleger o presidente para determinar os rumos do governo.

Nossas leis determinam gastos públicos que ultrapassam 100% das receitas correntes. O novo governo precisará do apoio do Congresso para reduzir seus gastos ou propor aumentos de tributos para evitar o crescimento explosivo da dívida.

Aprovar mudanças na legislação requer, em princípio, maioria simples do Congresso. Nas últimas décadas, entretanto, nossos parlamentares transformaram as principais políticas públicas em emendas constitucionais. Reformá-las exige a aprovação por parte de 60% da Câmara e do Senado.

O presidente ainda decide sobre nomeação de cargos, o que garante algum poder de persuasão, mas cada vez menor com as novas leis, como a das estatais, que restringem as nomeações políticas. O controle da sociedade sobre a escolha de ministros também tem evitado algumas nomeações típicas do Brasil Velho.

O poder Executivo pode propor leis e o novo presidente provavelmente terá muito respaldo popular, ao menos no começo. Pouco vai acontecer, porém, se o governo não tiver capacidade de negociar com a maioria do Congresso.

Tudo indica que a campanha eleitoral irá se concentrar na escolha do presidente. O risco é debatermos demasiadamente a sucessão da “Monarquia” com poderes declinantes e descuidarmos da eleição para o Parlamento, que é quem tem a última palavra (desde que o STF não se manifeste).

No fim do século 18, Jorge 3º reinava sobre a Inglaterra e muitas colônias. O seu desatino tumultuava a corte e resultou, ao menos, em um filme divertido: “As Loucuras do Rei Jorge”. Por aqui, alguns candidatos a presidente parecem achar que destempero conta como medalha por bravura.

Vale lembrar que no meio do reinado de Jorge 3º a sua principal colônia declarou-se independente da Coroa, tornando-se os Estados Unidos da América. Foi sucedido por seu filho, Jorge 4º, um rei dissoluto, mas já irrelevante. Melhor mesmo fez quem, à época, prestou mais atenção ao Parlamento do que às idiossincrasias do rei.

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Marcos Lisboa, doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2003 a 2005). Preside o Insper.

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