- Folha de S. Paulo
Datafolha mostrou desinteresse pela Copa, mas jogos batem recordes de audiência
Desde 1994, o desinteresse pela Copa não era tão grande, disseram os brasileiros ao Datafolha neste mês: 53% afirmavam não ter interesse algum pelo Mundial.
Teria mudado o Natal ou mudamos nós, para emendar o sonetinho de Machado de Assis? O país do futebol não é mais? Ou apenas estamos fulos e fartos de tanto 7 a 1, na política, na economia e, por tabela, até no futebol?
Na manhã da sofrência de sexta-feira (22) contra o time da Costa Rica, 82% das TVs ligadas mostravam o jogo pela Globo, na Grande São Paulo; no Rio, 85%. A TV por assinatura não entra na conta. Foi a maior audiência desde 2006, quando os recordes foram um final de novela e o jogo entre Brasil e França pela Copa daquele ano.
Embora os dados não sejam comparáveis, parece haver uma bola dividida aí.
Por vezes, uma resposta a pergunta de pesquisa de opinião expressa preocupação com algo diferente. Por exemplo, a expectativa de alta de preços que aparece nas pesquisas do Datafolha nem sempre reflete temor real quanto à inflação, mas ansiedade com o noticiário de crises políticas, motivo de medo de que a vida piore em geral.
Entre 1994 e 2010, a demonstração de “grande interesse” pela Copa do Mundo ficava entre a casa dos 50% e dos 40%. Em 2014, na casa dos 30%. Neste 2018, em torno de 20%. Parece haver uma tendência aí, embora a série de pesquisas seja curta.
Talvez houvesse mais interesse pelo futebol nos tempos de opções de entretenimento mais escassas.
Quem tem perto de 50 anos se lembra do vício dos meninos em futebol. A diversão era toda analógica e em carne viva, sem games, celulares ou mesmo videocassetes.
Até meados dos anos 1980, os melhores jogadores não haviam migrado, fora um e outro (apenas a partir de 1990 a seleção passa a ter mais de 50% de expatriados). Ainda havia memória viva dos times estelares de 1958 a 1970.
Cerca de 140 milhões dos 208 milhões de brasileiros de agora não tinham nascido ou idade para ter vivido essa época com lembranças mais fortes. Note-se que, segundo o Datafolha, o time mítico de 1970 tem tantos votos (22%) quanto os de 1994 e 2002 na eleição de melhor seleção da história. O escrete brilhante de 1958 levou só 1% dos votos.
A explicação parece bonitinha, mas não cola. Sim, o futebol é uma brincadeira entre tantas outras, cada vez mais marginal. Mas ainda em 2010 havia interesse grande pela Copa, diz o Datafolha, mesmo que não tenhamos mais relação maníaca com o esporte. De resto, o interesse pelo futebol dos mais velhos não é tão maior que o de mais jovens.
O futebol não é mais um “fato social total”, para usar de modo sarcástico uma expressão da etnografia, mas nos serve de metáfora, dos 7 a 1 às pantomimas cadentes de Neymar. O jogador é um superstar totêmico, emblema de características e anseios nacionais, por bem e por mal.
Admira-se seu talento e seu sucesso, tido como ostentatório e popularesco. É motivo de inveja, mas também bode expiatório de males como a malandragem que burla regras do jogo, tão brasileirinha. Neymar, seus luxos, sua namorada estrela, seu choro, seu meião rasgado e seus tombos são assunto do país e motivo de debates sobre o caráter nacional brasileiro.
Talvez amemos a Copa, Neymar e mesmo o 7 a 1, pois motivam esperanças secretas e exageradas de vingança, de redenção de tantos desastres. Também os detestamos: enquanto a revanche não vem, temos raiva.
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