segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Ana Maria Machado: Incríveis crédulos

- O Globo

Incrédulos, assistimos a coisas incríveis. Candidatos que se gabam de não entender nada do que é necessário para governar, ou negam a existência de déficit. Ou se vangloriam de crer que é possível gastar sem limite e que o dinheiro público (seu, meu, nosso) não acaba nem falta nunca. Como quem acha que cartão de crédito é só uma forma de adiamento sem fim e sem consequências, mesmo que a dívida cresça qual bola de neve. Para eles, não basta ver para crer. Despreparados, preferem ignorar, na atual crise, o papel desempenhado pela perda de credibilidade e de confiança no país.

Audiências enormes seguem programas na televisão, convencidas de que é verdade o que “testemunhas” contam sobre curas milagrosas. Há ainda os que fecham os olhos aos efeitos trágicos sofridos por quem arrisca avida acreditando em promessas mirabolantes de juventude eterna e bumbum duro, feitas por espertalhões.

E a toda hora vemos que, sem pensar nas consequências que sofrem e sofrerão, há eleitores que continuam a crer em juras mentirosas de políticos que se apregoam salvadores, a acenar com obviedades que parecem bem intencionadas mas não explicam qual o plano, projeto ou programa que será capaz de realizá-las.

Ao separar fé e fato, religião e política, a democracia busca manter Estado e igrejas em campos diferentes. Mas o Brasil deseduca: dá isenção fiscal para religiões, e transforma em ótimo negócio a proliferação de igrejas e seitas. Pomos vigários e vigaristas no mesmo saco. Estimulamos crendices e sectarismo (palavra da mesma raiz que seita), ótimos para eleger quem vai governar só para sie os seus, com ou sem ajuda da Márcia em reunião discriminatória no palácio do governo. Ou com aparelhamento de órgãos públicos. Ou apadrinhamentos de todo tipo.

Acredite se quiser. Mas as palavras revelam. Podem nos fazer pensar. E escolher melhor. Afinal, são da mesma raiz: crer, crente, crédulo, crendice, incrível, crédito, credibilidade, credencial.

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