- Folha de S. Paulo
Pela primeira vez desde 2015 o partido está se movendo intelectualmente
A estratégia do PT de insistir na candidatura de Lula, consagrada na convenção do partido no último sábado (4), é mais racional do que se pensa.
Como Geraldo Alckmin, Lula aposta que essa eleição será decidida do mesmo jeito que as outras: por coalizões partidárias fortes e pelo desempenho da economia.
Geraldo Alckmin apostou na formação de grandes coalizões. Lula aposta que elegerá o próximo presidente pela situação da economia, que, por ser ruim, favorece a oposição.
Ao insistir com Lula, o que o PT promete ao eleitorado é a prosperidade dos anos lulistas, que pretende comparar à desolação dos últimos anos. Nesse ponto, "Lula" virou mesmo uma ideia: a ideia de pobres com mais dinheiro no bolso.
Nesse contexto, a divulgação do programa de governo petista na última sexta-feira adquire especial relevância. Se o que o PT está vendendo é dinheiro no bolso, o que ele propõe para atingir esse resultado?
O programa divulgado é longo, por isso vou me ater a um ponto que me parece particularmente importante no momento atual: a discussão sobre o que fazer para reequilibrar as contas públicas.
O documento tem pontos positivos (em geral, submersos em insuportável retórica militante): a criação do imposto sobre valor agregado (IVA) é uma boa ideia, a cobrança de impostos sobre juros e dividendos também, o imposto sobre carbono seria um progresso.
No que se refere à Previdência, o programa defende "a convergência entre os regimes próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios com o regime geral", o que seria ótimo.
Mas quem vinha acompanhando os debates com Fernando Haddad, ou os textos recentes de Nelson Barbosa, esperava mais discussão sobre a crise fiscal.
Teria sido bom propor explicitamente a elevação da idade mínima da aposentadoria. Comparado ao espaço dado às propostas de investimento estatal, a discussão de como financiá-las ao mesmo tempo em que se tapa o rombo fiscal atual é curta.
E a proposta de reforma tributária tem um item que parece ruim: a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco salários mínimos.
Não é uma proposta que favoreça os mais pobres, que já são isentos. Beneficiaria pessoas que, no quadro brasileiro, estão relativamente bem de vida. E faria cair a arrecadação. Pra que isso?
O programa do PT é um documento de transição. É bem melhor do que qualquer coisa que o partido produziu desde que começou a sabotar seus ministros da Fazenda, em 2015.
Mas ainda tem coisas demais do PT do pós-impeachment, o que faz com que a transição comece de um ponto baixo.
E isso tem impactos para além das propostas econômicas. Quem viveu a miséria profunda de ler os documentos oficiais do PT desde 2015 sabe o quanto eles eram cheios de populismo fiscal e revanchismo contra Judiciário e mídia.
Esse histórico de revanchismo torna difícil topar discutir coisas como regulação da mídia ou reforma do Judiciário até que o partido dê mostras de que conduziria essas conversas com serenidade. Ainda não deu.
Mas, justiça seja feita, pela primeira vez, desde 2015, o PT está se movendo intelectualmente. Ainda se move lentamente, e a distância a recuperar é longa. Acho admirável o esforço de Haddad para tirar o partido da ressaca, mas não o invejo.
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Celso Rocha de Barros servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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