sábado, 11 de agosto de 2018

Especialistas explicam Alckmin como alvo e 'esquecimento' de Lula em debate

Candidatos tentam evitar ascensão do tucano e polarização PT x PSDB, dizem analistas

Bernardo Mello e Lucas Altino | O Globo

RIO — Líder da maior coalizão formada na corrida presidencial até agora, GeraldoAlckmin (PSDB) foi o alvo preferido de adversários que tentaram, no debate transmitido pela TV Bandeirantes, conter um eventual crescimento do tucano nas pesquisas. Esta é a análise de cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO no dia seguinte ao primeiro debate da TV, que contou com oito presidenciáveis. Guilherme Boulos (PSOL), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (REDE), Jair Bolsonaro (PSL) e Henrique Meirelles (MDB) contestaram pontos da plataforma de governo e do histórico político de Alckmin. Para os especialistas, a aliança do PSDB com o centrão (DEM, PP, PR, PRB, PSD, PTB e SD), lançou uma tendência de ascensão da campanha tucana, que ocupa atualmente apenas o quarto lugar nas intenções de voto, mas terá o maior tempo de TV na propaganda eleitoral.

Enquanto Alckmin foi lembrado a todo momento, o nome do ex-presidente Lula, líder nas pesquisas, foi praticamente “esquecido” no debate da Band. Preso em Curitiba, Lula foi impedido pela Justiça de participar da transmissão. À exceção de menções pontuais de Boulos e Meirelles, os governos do PT foram lembrados apenas de forma genérica pelos candidatos, sem referência explícita ao partido ou a Lula. Na avaliação dos especialistas, trata-se também de uma estratégia para frear a popularidade petista, deixando o partido fora dos holofotes, de forma a evitar a polarização da disputa entre PT e PSDB, que se repete nas eleições presidenciais desde 1994.

— Concordo que essa tendência cresceu depois que o centrão fechou com o Alckmin, e também em função da neutralização do PSB, que decidiu não apoiar o Ciro. Quase ninguém quis falar do Lula e do PT, então a maior ameaça ali era a candidatura do Alckmin. Passa a ser uma vidraça em função dessa chance de crescimento — avaliou Marcus Ianoni, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Evitar mencionar o PT também mostrou que os outros candidatos ainda não consideram este o momento de tentar seduzir o eleitorado lulista, opina o cientista político da Universidade de Brasília Leonardo Barreto. Para o professor, os votos de Lula, principalmente no Nordeste, ainda estão bloqueados pelo ex-presidente.

— Fiz uma pesquisa recentemente, e em todos os estados nordestinos quem lidera a disputa pelo governo estadual é o candidato lulista. Esse eleitorado ainda está com o PT, então nesse momento os outros candidatos optaram por centralizar a disputa dos votos do Centro-Sul, muito divididos entre Alckmin e Bolsonaro. Acho que só vão começar a bater no PT, quando o partido de fato participar dos debates e o Haddad, provavelmente, for confrontado.

Outro aspecto que tornava natural o confronto com o Alckmin é a busca pelo discurso do novo e rejeição da dicotomia entre PT e PSDB. Como o tucano era o único representante dessa polarização no debate, lembra Barreto, ele centralizou os ataques dos outros candidatos.

BOLSONARO E CIRO ‘TRANQUILOS’
Segundo a última pesquisa do Datafolha, de junho, Bolsonaro teria dificuldades nos cenários de 2º turno. Ele só venceria Haddad, e perderia, ou está em empate técnico, em todas as outras situações. Isso faz crer que uma disputa com o deputado seria mais vantajosa para os demais candidatos.

— Por enquanto acreditam que o Bolsonaro seria o candidato mais fraco no 2º turno, então nesse início o Alckmin está mais visado como pessoa a ser batida. Ele foi quem pegou o centrão, tem mais estrutura e mais potencial de crescimento — avalia Murillo Aragão, analista político da Arko Advice e professor de Columbia, que concorda com a estratégia dos demais de evitar o tema Lula. — Qualquer menção ao PT poderia alimentar o discurso de vitimização de Lula, que é seu grande patrimônio atualmente. Hoje ele é um elefante no meio do quarto, que ninguém quer peitar.

Aragão esteve no estúdio da Band durante o debate e pôde acompanhar de perto as reações dos candidatos. Ele destacou alguns comportamentos específicos, como a postura mais amena de Bolsonaro e a tranquilidade de Ciro.

— Bolsonaro entrou tenso e contido e curiosamente só se soltou depois que levou a primeira porrada, do Boulos. Ele era o que tinha mais a perder; nesse primeiro debate dificilmente os eleitores definem seus votos, mas quem escorregar pode ficar marcado. Bolsonaro não saiu ganhando nem perdendo. O Ciro estava muito à vontade. Mas como ele é irônico e argumentativo, acho que tentaram isolá-lo — explicou Aragão, que acha que Álvaro Dias, por outro lado, não foi bem.

— Ele repetiu muito que convidaria o Sergio Moro para seu governo e abusou das frases de efeito, uma técnica ultrapassada. Os demais fizeram seu papel.

DACIOLO: DESTAQUE PASSAGEIRO
Se Bolsonaro tem se esforçado para apresentar uma versão mais comedida de si mesmo, o presidenciável do nanico Patriota, Cabo Daciolo, extrapolou a retórica conservadora normalmente associada ao deputado do PSL. Daciolo fez sucesso nas redes sociais com suas citações bíblicas, o discurso anticomunista e seu tom assertivo, arrancando risos da plateia em momentos pitorescos, como o questionamento a Ciro Gomes sobre Foro de São Paulo e o “plano URSAL”. Cláudio Couto, cientista político da FGV, enxerga possíveis impactos deste boom de popularidade de Daciolo na campanha do próprio Bolsonaro, embora com impacto limitado.

— Daciolo chamou atenção mais pelo bizarro do que pela relevância, mas acredito que isso daqui a pouco passa e o foco volta mais para o eixo. Ainda assim, pode ser que ele tenha um efeito pouco mais do que marginal na campanha. É possível que atenue a resistência de uma parcela do eleitorado ao Bolsonaro, tido como extremista. Mas pode também pegar alguns eleitores que hoje vão para o Bolsonaro como voto de protesto. Se tirar 1%, 2%, pode ser decisivo numa campanha apertada — avaliou.

Para o cientista, o debate também sinalizou para o eleitor um contraste mais à esquerda, entre Boulos e Ciro. Embora tenha elogiado a performance do candidato do PSOL, que considerou “muito articulado”, Couto acredita que o pedetista pode tirar proveito da diferença ao cristalizar uma imagem mais moderada. Marcus Ianoni, da UFF, vê até Alckmin como beneficiário de um contraste.

— Não quer dizer que isto tenha sido acertado entre as partes, mas a presença do Meirelles no debate ajuda o Alckmin. Meirelles fica mais como candidato do Temer, livrando um pouco o PSDB do estigma de ter sustentado as principais reformas e emendas deste governo. Apesar do Boulos ter feito aquela crítica aos “50 tons de Temer” no debate, o Alckmin acaba sendo um pouco poupado.

DESEMPENHOS
Alckmin: “Estava embasado em propostas, mas sem versatilidade e com poucos recursos de retórica” (Leonardo Barreto).

Álvaro Dias: “Achei um pouco tenso, muito preocupado com o script e com agenda um pouco fora do tom. Repetiu muito que convidaria o Sérgio Moro para seu governo e abusou das frases de efeito, uma técnica ultrapassada” (Murillo Aragão).

Bolsonaro: “Entrou tenso e contido. Relaxou depois que levou a primeira porrada do Boulos. Ao ser desafiado, reagiu de maneira boa, disse que não foi lá para bater boca, e depois controlou seu temperamento. Não saiu ganhando, nem perdendo” (Murillo Aragão).

Boulos: “É muito articulado, realmente se expressou muito bem. Houve um momento em que ele ‘engoliu’ o Meirelles, deixou o candidato do MDB meio desarvorado. Teve uma performance positiva, mas não sei se o suficiente para captar novos eleitores” (Cláudio Couto).

Cabo Daciolo: “Ele apareceu no debate, antes era conhecido muito vagamente. Não que eu concorde, mas até teve uma retórica boa em termos de aparência. Acredito, no entanto, que as condições de sustentação da candidatura do Daciolo ainda são bem menores que a do Bolsonaro, que já não é grandes coisas, pela falta da máquina partidária” (Marcus Ianoni).

Ciro Gomes: “Estava se sentindo quase que num debate entre colegas, muito à vontade, era o mais confortável. Como ele é irônico e argumentativo, acho que o isolaram um pouco. Mas foi bem nas assertivas, apesar de um pouco autossuficiente em falar que sabia tudo, o que pode deixar o eleitorado desconfiado” (Murillo Aragão).

Henrique Meirelles: “Parecia frágil, como se não tivesse condições de saúde de estar ali debatendo. Ele tem problemas na forma como se apresenta” (Cláudio Couto).

Marina Silva: “Muito apagada, assim como o Meirelles. Acho que ela perde muito na performance, mais do que pelo que está dizendo” (Cláudio Couto).

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