Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que são imprescritíveis as ações que visam ao ressarcimento de dinheiro público desviado por atos de improbidade administrativa dolosa, ou seja, com a intenção de produzir dano ao erário, e não resultante de inépcia ou descuido do servidor. Os ganhos advindos da prática de crimes como peculato e corrupção passiva, por exemplo.
À primeira vista, é uma decisão que se coaduna com o interesse público no sentido de não permitir que criminosos possam usufruir do produto de seus crimes sem serem devidamente processados para devolver ao Estado o dinheiro surrupiado. Porém, há que ter cuidado para que a decisão tomada pela Corte Suprema não estimule a leniência dos agentes públicos que têm por dever propor as ações em bom tempo, vale dizer, os membros do Ministério Público.
Como aduz o placar, trata-se de um tema bastante controvertido no âmbito do direito administrativo. O entendimento final da Corte Suprema pela imprescritibilidade, que tem repercussão geral, veio após as mudanças de voto dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, que acompanharam os votos dos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Na sessão plenária de quinta-feira passada, o placar estava em 6 a 2 pela prescrição da ação de ressarcimento em cinco anos contados do descobrimento do ato ilícito, posição até então prevalente no que concerne à interpretação do artigo 23 da Lei n.° 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa.
“Hoje em dia não é consoante com a postura judicial que danos decorrentes de crimes praticados contra a administração pública fiquem imunes da obrigação com o ressarcimento. Então, com toda a humildade, eu peço vênia aos colegas e retifico o meu voto”, disse o ministro Luiz Fux na sessão de quarta-feira passada.
Com a mudança dos votos dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, foi vencedor o entendimento proposto pelo ministro Edson Fachin, que em seu voto afirmou serem “imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na lei de improbidade administrativa”.
Os ministros Alexandre de Moraes, relator da ação, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello foram vencidos na tese segundo a qual o prazo de prescrição das ações de ressarcimento de dinheiro público ao erário está claro na Lei de Improbidade Administrativa. Além disso, segundo eles, somente os crimes de racismo e terrorismo são considerados imprescritíveis pela letra da Constituição.
Aqui deve ser feita a clara distinção entre a persecução criminal e o ressarcimento de dinheiro desviado do erário. A Constituição determina em seu artigo 37, parágrafo 4.°, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
No mesmo artigo, no parágrafo seguinte, lê-se que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. À luz da Carta Magna, portanto, a decisão do STF está correta. Mas isso não significa dizer que as variáveis interpretativas que tornam o tema controvertido, como já dito, dissiparam-se com esta decisão.
São lacunas que desafiam o Estado de Direito. Ora, se a persecução criminal, ou seja, o direito que o Estado tem de punir os ofensores da lei, prescreve se transcorrido o prazo legal para oferecimento da denúncia, como falar em ressarcimento ao erário de dinheiro público supostamente desviado por um crime cuja prática não foi comprovada no curso de ação penal tempestiva?
A sociedade não pode ser prejudicada duas vezes. Tanto pelos servidores que praticam crimes contra a administração pública como por membros do Ministério Público que não agem com diligência.
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