sábado, 11 de agosto de 2018

Marco Aurélio Nogueira: Cálculos e apostas

- O Estado de S. Paulo

Cálculos eleitorais são apostas, cada uma com sua dignidade, seus limites e suas possibilidades

Realizado o debate entre os presidenciáveis ontem à noite, inevitável que se tente descobrir quem ganhou e perdeu, qual estratégia se mostrou mais eficiente, quem soube calcular melhor a participação no debate.

Cálculo político é algo complicado. Tem muitas traduções. Sobretudo em processos eleitorais.

Você pode calcular que falando isso ou aquilo, uma verdade ou uma mentira tanto faz, ganhará ou perderá votos. Pode calcular que não falando nada, tergiversando e pedindo tempo para pensar, nada perderá e eventualmente ganhará. Pode calcular que quanto mais consistentes forem tuas propostas mais audiência obterá. Pode apostar tudo na demagogia e no populismo como estratégias para chegar ao coração do povo. Pode apelar a Deus ou ao Diabo para se mostrar mais religioso, ou menos.

Pode calcular que batendo na mesa e mostrando fluência e ousadia verbal conquistará o entusiasmo das multidões desejosas de alguém indignado pela esquerda ou pela direita, ou de um cabra arretado, na Presidência. Poderá falar cobras e lagartos, ameaçar os poderosos e os fracos, aliar-se à direita para sustentar um discurso de esquerda que você diz corresponder à tua formação e a teus compromissos, fazer juras de amor a teus adversários para tentar neutralizá-los. Poderá incensar seus padrinhos políticos e certos ícones que, em tese, ajudam a levantar as multidões, pouco se envergonhando de se subalternizar a eles. Nessa trilha, deixará de levar em conta que até mesmo os que se julgam mais bem preparados podem subornar a si próprios sem terem disso a menor consciência.

Pode calcular que mostrando serenidade, realismo e talento administrativo irá comendo pela borda e chegará lá, convicto de que alianças e diálogo geram boa governança. Poderá fazer com que vibrem as cordas da razão técnica, da experiência, da união política e da democracia, dizendo que conseguirá domar os demônios que te acompanham, sem considerar que o inferno político é vasto e nem sempre é domável. Sua praia será a sensatez e a serenidade, recursos com que pensa ser possível re-unir o que a vida política desuniu. Seguirá a estrada da moderação e da exibição de propostas exequíveis, difíceis de serem questionadas. No meio do caminho, poderá correr o risco de ficar tão encantado com as próprias convicções que se esquecerá de assimilar os reclamos das multidões e com elas interagir.

Pode imaginar que posando de mártir e vítima dos poderosos conquistará o coração dos subalternos e será a eminência parda do processo, pouco importando se isso prejudicará os que acreditam em você e te seguem com convicção religiosa. Você poderá criar um séquito de fanáticos, pernas sem cabeça, paixão sem racionalidade, um movimento místico regressista, que cega e aliena, mesmo que repita à exaustão sua perspectiva emancipacionista e prometa, caso vença, que fará o povo ser feliz de novo, abrindo as portas do paraíso como nunca antes se tentou fazer nesse país. Na sua cabeça a ideia pode ser outras, mas sua atitude acaba por manter os cidadãos em condição de infantilidade, pedindo proteção, afago, carinho, como se um pai faz com um filho. Poderá encontrar um sucedâneo que guarde teu lugar e fale em teu nome, sem levar em conta que muitas vezes essas operações causam constrangimentos e bloqueiam importantes tentativas de renovação. Não perceberá que, se a operação der certo, a chance de você cair no esquecimento será altíssima.

Pode calcular que pregando um modo diferente de fazer as coisas e se cercando de gente íntegra e que pensa como você cavará um lugar na dianteira, crente de que mais cedo ou mais tarde a verdade triunfará. Você dirá que somente com independência e renovação será possível unir o País, repudiando alianças e coligações ampliadas por serem perigosas e refratárias ao progresso indispensável. Terá enormes dificuldades para governar e derrotar as estruturas que empurram o país para trás, mas permanecerá na estrada como uma espécie de consciência crítica da nação, sem sacrificar seus ideais no altar das grosserias políticas e das jogatinas do marketing.

E pode calcular que confessando suas limitações e mostrando sua verdadeira face bruta, truculenta, abrirá um canal de comunicação com as massas, intoxicando o imaginário popular com a promessa de que a ordem, a disciplina e a autoridade trarão o futuro que todos esperam e Nosso Senhor abençoa. Poderá formar uma brigada com gente que segue teu estilo e admira tua veia autoritária, controversa e indiferente a maiores rigores, mas, ao chegar ao porto e tentar descarregar, perceberá que o barco esteve sempre vazio, pois você não se preocupou em carregá-lo com bens e mantimentos de qualidade. Os marujos que te acompanharam na travessia ficarão assim a ver navios.

Cálculos políticos ou eleitorais são apostas, cada uma tem sua dignidade, seus limites e suas possibilidades. Duro mesmo é ver que muitas vezes tais apostas não são vocalizadas por personagens à altura dos tempos, ou ao menos próximos deles.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp

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