quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Cristiano Romero: Quem ganha com os subsídios?

- Valor Econômico

Nunca se avaliou a eficácia das políticas de subsídio

Numa economia marcada pela desigualdade de renda e oportunidade e por um índice de pobreza inaceitável, a concessão de subsídios em algumas áreas pode ser justificável. Subsídios podem ser usados também para corrigir o que economistas chamam de falhas ou imperfeições de mercado. Em todos os casos, porém, deveriam ser avaliados de forma permanente para evitar o desperdício de recursos públicos, além de corrupção.

O subsídio é usado para reduzir o preço cobrado do consumidor ou o custo do produtor. No primeiro caso, um exemplo é subsídio da conta de luz dos habitantes das regiões mais pobres do país; no segundo, o subsídio dado a fabricantes de medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos.

A União opera com duas formas de subsídio: do lado da despesa, concede benefícios financeiros e creditícios; do lado da receita, realiza o "gasto tributário" (redução ou isenção de impostos).

Os benefícios financeiros são conhecidos como subsídios explícitos. Ocorrem quando o governo concede subvenções econômicas (equalização de taxa de juros e preços, por exemplo), aprovadas previamente pelo Congresso. O subsídio é explícito: a União banca uma conta, com a autorização dos parlamentares, para, por exemplo, honrar o subsídio das contas de luz ou garantir os preços mínimos de produtos agrícolas.

Já os benefícios creditícios, nos quais o subsídio é implícito, são concedidos por meio de recursos transferidos pelo Tesouro Nacional a fundos e programas federais, sem necessidade de aprovação do Legislativo. O exemplo mais conhecido - escandaloso e injustificável - ocorreu de 2008 a 2015. Naquele período, o Tesouro captou mais de R$ 500 bilhões a custo de mercado - dado, grosso modo, pela taxa básica de juros (Selic) administrada pelo Banco Central - e os emprestou ao BNDES. Para o banco de fomento, o custo fixado para essa dívida foi a TJLP, taxa muito inferior à Selic.

A diferença entre as duas taxas é um bom exemplo do subsídio que, a princípio, deveria ser evitado. O BNDES usou o dinheiro para conceder crédito majoritariamente a grandes empresas, cobrando juros bem inferiores à TJLP e, por um bom tempo, abaixo da inflação, caracterizando o que os economistas chamam de taxa de juros negativa.

O gasto tributário, por sua vez, significa que o governo abre mão de arrecadar, em impostos, uma determinada quantia de recursos. Em tese, faz isso para estimular o desenvolvimento de determinados setores ou regiões do país ou para viabilizar a atuação de entidades civis sem fins lucrativos que prestam serviços à sociedade em áreas onde o Estado não consegue cumprir seu papel. É bom lembrar que os tributos que deixam de ser arrecadados reduzem a capacidade do setor público de cumprir, em vários casos, atribuições previstas pela Constituição.

Apenas no ano passado, a conta de benefícios financeiros e creditícios chegou a R$ 84,3 bilhões. Já as isenções e incentivos fiscais somaram R$ 270,4 bilhões. O total de subsídios chegou, portanto, a R$ 354,7 bilhões apenas no último ano, o equivalente a 5,4% do PIB. É uma soma valiosa de recursos aqui e alhures.

A questão é: esse dinheiro está sendo bem aplicado? Está ajudando a diminuir a desigualdade de renda e a reduzir a pobreza? Tem contribuído para ampliar as oportunidades de milhões de jovens carentes e de trabalhadores com formação deficiente? Tem corrigido falhas de mercado que prejudicam o bom funcionamento da economia? Está contribuindo para elevar a produtividade do trabalhador e das empresas, tornando o Brasil mais competitivo?

Ninguém sabe responder a essas perguntas porque, com poucas exceções, nunca houve avaliação dos resultados dos subsídios. O que se sabe é que o direcionamento dos benefícios é decidido em Brasília. E isso não é feito a partir de estudos que identifiquem onde a aplicação dos recursos pode ajudar a eliminar chagas sociais que caracterizam o atraso do país desde sempre. O destino do dinheiro é decidido a partir da influência de grupos de interesse específico, que, em alguns casos, chegam a chantagear a nação com ameaças de deixar o país, caso não continuem recebendo as benesses.

Na semana passada, sob o título "Os donos do Poder", esta coluna citou alguns beneficiários que usam seu poder para se apropriar de recursos públicos, em detrimento de quem mais precisa de apoio. Já sabia que a lista publicada estaria aquém da realidade, daí, a promessa de que as omissões serão verificadas e corrigidas. Isso será feito ao longo do tempo porque a relação é numerosa. A coluna reconhece, também, que fez generalizações. Logo, ponderações são necessárias.

Pedro Cafardo, editor-executivo do Valor, chamou atenção para o caso da indústria automobilística. De fato, essa indústria começou a se instalar aqui na década de 1950 e, ao longo de sete décadas, ajudou a promover a industrialização do país. A partir de novos incentivos recebidos em meados da década de 1990, ampliou sua presença no país e, hoje, praticamente todos os fabricantes internacionais estão aqui. Há um legado importante.

A observação cabível é: por que essas multinacionais ainda precisam de incentivos fiscais e creditícios, que como se viu custam caro à sociedade brasileira? Durante os anos em que o BNDES ofereceu taxa de juros negativa, a indústria automobilística foi a que mais tomou recursos àquele custo.

As empresas, todas gigantes multinacionais dos Estados Unidos, Europa e Ásia, não fizeram nada de errado, afinal, são elegíveis do ponto de vista legal a acessar esse crédito. Na verdade, se seus diretores financeiros não tivessem ido ao BNDES pegar esse dinheiro, mais barato que o cobrado nos países de origem de suas matrizes, teriam sido demitidos. A questão é: ainda faz sentido dar subsídio a essas multinacionais?

Um registro importante: a atual equipe econômica, que tomou posse em maio de 2016, promoveu significativa redução desses benefícios. Em 2003, os subsídios estavam em 3% do PIB. Em 2015, último da gestão Dilma, saltaram para 6,7% do PIB. Em 2017, recuaram para 5,4% do PIB, sendo que o financeiro recuou para 1,3% e o tributário, para 4,1% do PIB.

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