quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Merval Pereira: O calvário de ‘Andrade’

- O Globo

Estratégia de insistir com candidatura de Lula até onde as brechas permitirem já causou anulação de pesquisas

A candidatura fake do ex-presidente Lula à Presidência da República continua sendo propagada em vários programas eleitorais e nos cartazes espalhados pelo país, obrigando os ministros encarregados da propaganda oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a vetar seguidamente os anúncios e inserções do PT que insistem em vender a imagem de Lula como candidato a presidente, mesmo depois que sua candidatura foi impugnada devido à Lei da Ficha Limpa.

A mesma lei, que impede a candidatura de quem foi condenado por órgão colegiado, alcançou ontem o candidato ao governo do Rio de Janeiro Garotinho, condenado em segunda instância pela Segunda Turma do Tribunal Federal Regional (TRF-2) por formação de quadrilha. Assim como aconteceu com Lula, também a pena de Garotinho foi aumentada pelos desembargadores.

Com relação à propaganda do PT, o ministro Carlos Horbach, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), definiu que é “inegável que a utilização de espaço de propaganda oficial, custeado pelo contribuinte, para divulgação de candidatura que não mais existe tem a potencialidade de confundir o eleitor, criando, artificialmente, estados mentais e emocionais equivocados”.

Essa confusão proposital, além de ser uma afronta ao sistema judiciário brasileiro e uma tentativa de enganar o eleitor, já virou piada. A chapa Lula-Haddad, com Manoela D’Ávila de regra três para a vice-presidência se e quando Haddad substituir oficialmente Lula, era chamada de “chapa tríplex”, em referência ao apartamento no Guarujá doado pela empreiteira OAS, pelo qual o ex-presidente foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Agora, com a insistência de Lula em se manter na propaganda como candidato a presidente, está sendo chamada de “sítio de Atibaia”, que, pelas denúncias, é do condenado, mas está em nome de terceiros. Na verdade, o ex-prefeito Fernando Haddad está sendo utilizado pelo PT como laranja, na vã esperança de que uma liminar salvadora mantenha a candidatura de Lula mesmo impugnada pelo TSE.

A decisão deverá ser contestada pela defesa do ex-presidente, que entrará com recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao mesmo tempo, o PT vai recorrer novamente ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, contestando o entendimento da maioria dos ministros do TSE de que aquele organismo tem caráter apenas administrativo, sem vinculação à legislação brasileira.

Na inserção proibida pelo TSE, Haddad apresenta-se, com “muito orgulho”, como vice-presidente do Lula, enquanto Lula apresenta Haddad como “o ministro mais importante desse país”, tendo passado sete anos no Ministério da Educação. “É o Lula, é Haddad, é o povo, é o Brasil Feliz de novo”, diz a propaganda enganosa.

Da mesma maneira, Lula apresentou ao povo brasileiro outro “poste”, a também ministra Dilma Rousseff, qualificada por ele como “a melhor gerente” que o país já teve. Deu no que deu.

A estratégia petista de insistir com a candidatura de Lula até onde as brechas na legislação permitirem já causou a anulação de pesquisas de intenção de voto dos dois institutos mais importantes do país, o Ibope e o Datafolha. As pesquisas pegaram, na maioria, apenas declarações de voto enquanto Lula ainda não havia sido impugnado oficialmente pelo TSE, e terão que ser refeitas com o candidato do PT, quando e se Lula permitir sua substituição.
Consta que ele continua insistindo na viabilidade de sua candidatura, enquanto setores do PT insistem em mudar o candidato presumível, Fernando Haddad, que ontem foi indiciado pelo Ministério Público Federal de São Paulo por formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro.

Sua posição, que já era frágil dentro do partido, com muitos desafetos não acreditando que ele seja eleitoralmente viável (no Nordeste e em muitas partes do país, o povo, com dificuldade de pronunciar seu nome e sem conhecê-lo, o chama de Andrade), coincide com o desejo de Lula de afrontar a Justiça brasileira. Mas irrita também o aliado PCdoB, que quer oficializar Manuela D’Ávila como vice na chapa com Haddad, como havia sido combinado.

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