- Valor Econômico
O quadro político que sai das urnas no Brasil não caracteriza apenas uma onda de direita, ou "onda azul", como em eleições passadas. Ganha protagonismo uma direita radical, que pode ter impacto continental como em poucos casos no mundo.
O resultado é relativamente inédito em termos globais. Não há caso de votação desta ordem do ultraconservadorismo em um país do porte do Brasil. Os exemplos internacionais são de analogia complicada. O radicalismo conservador governa hoje Polônia, Hungria e Israel. Estes países contudo, além de pequenos, são parlamentaristas, o que já faz toda a diferença. A direita radical também está no comando nas Filipinas, mas a nação asiática pouco influencia os países mais próximos, como Vietnã, China, Indonésia e Malásia.
O caso de Donald Trump nos Estados Unidos é diferente. O presidente americano foi um "outsider" até ganhar as eleições primárias do Partido Republicano. Depois tornou-se o representante de uma legenda que reparte o poder local há mais de cem anos.
Independentemente do resultado das urnas, Jair Bolsonaro (PSL) já fez história. Caso seja o vencedor, a maré radical tem potencial de desestabilizar a América do Sul, a começar da Argentina, em que o presidente Mauricio Macri se perde no labirinto da economia e a senadora Cristina Kirchner está às portas da prisão.
Caso perca, quem pode ser desestabilizado é o petista Fernando Haddad. Nesta hipótese, Haddad governará em situação política adversa, com uma barulhenta direita no Congresso, enfraquecimento de todos os partidos tradicionais, profunda desconfiança dos mercados.
O Brasil, em termos políticos, corre o risco de tornar-se a Venezuela de tempos atrás, em que não havia espaço para solução pacífica de controvérsias entre os dois campos políticos, ainda que a institucionalidade democrática estivesse preservada. A Venezuela de hoje, como se sabe, não pode mais ser considerada uma democracia.
O Congresso tenderia naturalmente a ser um freio neste processo, mas o resultado das urnas pode torná-lo um acelerador. A bancada acima de qualquer expectativa formada pelo PSL não significa necessariamente a tomada do comando da Câmara por blogueiros inexperientes, mas a confluência formada por bancadas transversais, como a da bala, a ruralista e a dos evangélicos tende a ter ainda mais peso do que hoje.
Um Congresso dominado por bancadas transversais indica que haverá pouco espaço para composição e muito para a confrontação. Estas três bancadas operam com perfeição em um ambiente de litigância, e não de costura de interesses.
Um freio mais eficaz a processos de radicalização poderá vir dos governadores. Quem senta na cadeira de governador de São Paulo é, a princípio, candidato potencial a presidente na eleição seguinte. Tanto João Doria quanto Márcio França poderão representar perspectiva de poder para o espólio do PSDB e eventualmente abrir espaço para uma alternância em 2022. A crise fiscal nos Estados já passou pelo pior momento e os eleitos podem circular por Brasília em uma posição menos mendicante. Não é impossível que sejam elementos de moderação na crise política.
No espectro partidário, a resiliência do PT representa uma exceção. Ganhando ou perdendo Haddad, a sigla é a única das grandes que manteve seus sinais vitais relativamente preservados. Está banida do governo de Minas Gerais e foi expulsa do poder no Acre, mas o Nordeste se converte em sua fortaleza, a partir da vitória na Bahia. O PSB em Pernambuco e o PC do B no Maranhão são forças auxiliares.
A ofensiva judicial que a sigla enfrenta, contudo, ainda não se esgotou, como a delação de Antonio Palocci pode vir a demonstrar. O partido pode enfrentar nova onda de desgaste que comprometa, no limite, o seu registro na Justiças Eleitoral.
O PSDB está extraordinariamente enfraquecido, porque ainda que venha a ser conduzido por João Doria no futuro, não sanou nenhum dos fatores que o levaram a se tornar a sigla mais dividida do Brasil. A falta de clareza em torno do apoio ou não ao governo Temer tende a se repetir em relação ao que se fazer no segundo turno e dificultará o partido a manter-se unido na oposição ao futuro presidente.
O caminho para um rearranjo partidário amplo no Brasil, está, portanto, aberto. Uma oposição moderada tanto a Haddad quanto a Bolsonaro precisará de uma nova liderança, uma nova legenda, que pode se formar de dissidências do PSDB, englobar o Rede, o PPS, o PDT e outras forças de centro que ficaram pelo caminho.
O crescimento do PSL dependerá diretamente de Bolsonaro chegar ao poder e do que fará com ele. O PRN de Fernando Collor chegou a ter 40 deputados. Durou dois verões e três primaveras. Um partido dependente unicamente de uma liderança carismática não terá como ganhar consistência de baixo para cima.
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