- Valor Econômico
Quais passos serão dados para estabilizar a situação econômica?
As eleições de 2018 fecham um ciclo de quatro anos de crise sem paralelo na história da Nova República. As dimensões econômica, política e social da crise a colocam em um patamar de difícil equiparação histórica.
Talvez o período entre 1954 e 1956 se aproxime em gravidade. Entender como uma crise econômica que começou sendo de médias proporções se tornou uma quase depressão e uma crise institucional é importante para que as forças políticas e econômicas relevantes do país ajam de forma diferente após a eleição deste domingo.
Eleições são momentos de agregação da opinião da maioria em torno das questões relevantes que se colocam para um país no médio prazo. Por esse critério, as eleições de 2014 fracassam já que o debate econômico se deu de forma equivocada e não preparou o país para a atual recessão. Mas foi o que veio após as eleições de 2014 que colocou o Brasil no campo dos países com pior performance econômica no planeta. Com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, instalou-se um processo de forte divisão no país a partir do qual um ajuste econômico possível e até mesmo relativamente curto tornou-se uma quase depressão. Diagnosticou-se de forma falsa, a raiz de todos os problemas do país associando-os à permanência da presidente Dilma Rousseff na presidência.
Sabemos que não foi possível recuperar a economia do país nem a partir do impeachment, nem a partir da emenda constitucional 95 e nem a partir da reforma trabalhista. Por quê? Porque a recuperação só poderá vir a partir de uma grande composição no interior do sistema político e entre o sistema político e os atores econômicos.
É possível afirmar que entre 1994 e 2010 o mercado teve uma postura adaptativa em relação aos planos econômicos dos diferentes governos. Durante o governo FHC houve alguma compatibilização entre o programa do governo e a agenda do mercado, mas é uma ilusão completa achar que a agenda do mercado foi implementada. Ao final do governo, a estrutura de instituições financeiras estatais estava intacta, a Vale era controlada por um pool de fundos estatais e a Petrobrás continuava uma empresa pública. O que o mercado fez? Adaptou-se a uma dinâmica que não era o seu programa. Podemos apontar a mesma coisa em relação ao período entre 2003 e 2010. O governo Lula começou como uma composição entre uma política ortodoxa seguida pelo Banco Central e uma política expansionista seguida por diversas instituições, Banco do Brasil, BNDES e Petrobrás. Daí vieram o crédito consignado e os aumentos do salário mínimo que impulsionaram o crescimento econômico. Mais uma vez o mercado se adaptou e os resultados vieram.
Assim, podemos diferenciar as atitudes do mercado nos momentos positivos em que a democracia brasileira foi abraçada pelos principais setores da sociedade e no momento desastroso em que vivemos. Nos momentos de êxito democrático, o mercado se adaptou às concepções propostas pelos diferentes governos. Não estou afirmando que ele não tivesse influência. Estou constatando que o seu programa não foi implementado nem no governo FHC e nem no governo Lula. Apenas o governo Temer implantou a estratégia econômica do mercado na sua integralidade e não conseguiu que o país superasse nem a crise política e nem a crise econômica. Assim, a política exitosa não é aquela que o mercado quer, mas aquela que ele pactua com o sistema político fazendo com que a política econômica adquira consenso na sociedade.
A questão que está sendo colocada a partir da eleição do próximo presidente é a seguinte: quais passos o novo mandatário e o mercado darão para estabilizar a situação econômica do país? Parece claro que, depois de quatro anos de desastre, uma estratégia tende a ser descartada: o mercado provocar um terceiro turno. Sabemos que o mercado não é capaz de eleger um presidente. Neste domingo, tal constatação ficará ainda mais clara com a baixíssima intenção de votos em candidatos como João Amoedo e Henrique Meirelles. Em geral o sistema financeiro não elege candidatos em nenhuma parte do mundo, mas isso não o torna uma instituição irrelevante. Pelo contrário, ele pode ajudar a construir saídas, urgentes no caso do Brasil - um país no qual apenas 1% da população está muito satisfeita com a democracia.
Fernando Haddad, o candidato em segundo lugar nas intenções de voto, segundo as últimas pesquisas, tem feito acenos ao mercado. Estes acenos são importantes para uma agenda mínima que necessariamente deve envolver o ajuste fiscal e uma reforma da previdência. No entanto, cabe ao mercado reconhecer os limites das formas de ajuste realizadas pelo governo Michel Temer que impactaram fortemente a população de baixa renda, pouparam as corporações estatais de elite e pouco resultado econômico trouxeram.
Fortemente votados pelos estratos mais pobres da população, nem o PT e nem Fernando Haddad poderão prejudicá-los em uma reforma da Previdência. Simultaneamente, permaneceram intocados na reforma de Temer os privilégios das elites corporativas e as aposentadorias herdadas. Reformar a Previdência e propor uma forma de ajuste fiscal não pode ser um subterfúgio para reforçar as desigualdades chanceladas pelo estado brasileiro em relação às quais o mercado se calou nos últimos anos.
A aceitação de um viés social para a reforma da Previdência e para a revisão do teto de gastos poderá ser uma boa forma de aproximação entre o mercado e um governo de esquerda. Afinal, o que o mercado quer ou deveria querer é a estabilidade das contas públicas e não a continuidade de privilégios corporativos. A combinação factível que pode estabilizar o Brasil é aquela que encontre o mínimo denominador comum entre mercado e democracia.
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Leonardo Avritzer é professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG, coordenador do Projeto Democracia Participativa (Prodep)
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