sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Mercados se agitam de novo sobre alta dos juros nos EUA: Editorial | Valor Econômico

O rali dos mercados brasileiros foi interrompido por novos solavancos provocados pela possibilidade de os juros americanos subirem mais rapidamente a médio prazo. O sinal para mais uma sequência de valorização do dólar, queda da bolsa - que atingiram a maior parte dos países emergentes - foi a alta do rendimento dos títulos de 10 anos do Tesouro americano a 3,23%, a maior taxa desde maio de 2011. O T-bond fechou o dia a 3,19%, depois de novas sacudidas nas moedas mais vulneráveis do ano a turca lira e o peso argentino.

A correção nos ativos brasileiros não foi muito significativa. As bolsas americanas tiveram baixas de mais de 1% - a Nasdaq caiu 2,1%. A correção desordenada dos mercados acionários dos EUA, que sob algumas métricas está há muito tempo supervalorizado, teria o poder de deslanchar uma onda de turbulências global. O impulso dos juros, porém, ainda está longe de ser tão forte para isso. O conjunto das condições caminha, no entanto, para que haja uma correção no ritmo até agora espetacular de valorização das ações.

O aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro foi puxado por novos dados mostrando o vigor da economia. O setor de serviços, que move 80% do PIB americano, teve expansão recorde em setembro, assim como o índice de confiança do consumidor. A criação de 230 mil empregos no setor privado levou os analistas a projetarem para hoje, quando serão divulgadas estatísticas de emprego (não agrícola), que o desemprego cairá a 3,8%, o menor desde 1969, há quase meio século. O ritmo de avanço das encomendas da indústria em agosto foi o maior desde setembro de 2017, com crescimento de 2,3%.

O PIB do segundo trimestre foi de 4,1%. A inflação do consumidor (CPI) está em 2,3% e seu núcleo, assim como a medida preferida pelo Federal Reserve (PCE), chegaram ao limiar dos 2%, a meta do banco, indicando claramente que não há mais folgas para manter uma política monetária acomodativa. Em sua última reunião, o Fed retirou o termo de sua ata, que a frequentava pelo menos desde dezembro de 2015, quando o juro voltou a subir.

A economia acelerou seu crescimento após o pacote fiscal expansionista de Trump e aumento adicional de gastos aprovado pelo Congresso. Os membros do Fed revisaram para cima, sucessivamente, a expectativa para o PIB, que para eles fechará o ano em 3,1%, muito acima dos 1,8% que calculam ser agora, após a crise de 2008, seu ritmo de crescimento potencial de longo prazo.

Há indicadores de que os salários começaram a ser pressionados para cima, o que seria o sintoma de pressão inflacionária. O salário médio subiu 2,73% em doze meses, velocidade apenas 0,5 ponto percentual abaixo dos picos dos dois últimos ciclos econômicos, calcula Gavyn Davies (FT, 23 de setembro). A continuidade dessa evolução, segundo ele, causará problemas para os investidores não já, mas nos próximos 12 a 18 meses. O "salariômetro" do Fed de Atlanta aponta em agosto evolução em 12 meses de 3,5%. A tendência não se manifesta só nos EUA, que está muito à frente no estágio de normalização monetária, diz ele, mas também da zona do euro.

As condições financeiras, por outro lado, após oito aumentos de juros, estão hoje tão frouxas quanto em 2015, estimulando uma economia que já cresce bastante (FT, 28 de setembro). Apesar disso, os mercados, após a reunião do Fed, mostraram otimismo porque acreditavam que com mais uma alta em 2019 o banco central daria por encerrada sua missão.

O hiato do produto indicado pelo Fed já faria duvidar dessa possibilidade. E, anteontem, Powell deu mais sinais de que, na sua visão, o banco ainda tem um bom caminho a andar até atingir a taxa de juros neutra (que não estimula nem contrai a economia). Foi a informação que faltava para a correção de ontem, que pode ter sequência hoje se os números do emprego confirmarem as estimativas. Os mercados ajustaram, pela curva dos juros futuros, suas expectativas e colocaram nos preços a alta de dezembro e mais duas em 2019.

Uma evolução gradual dos juros nos EUA não deveria causar estragos nos mercados brasileiros, mas em plena eleição presidencial, serve de combustível adicional para depreciação da moeda e freio às ações. Se os mercados globais passarem à outra ponta, e do otimismo começarem a sugerir que o Fed ficou atrás da curva, a rota será de ajustes bruscos e turbulentos, que encontrarão um novo governo em formação.

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