Deve-se reconhecer como saudável a abertura do ritual de passagem, como prevê a Constituição
É saudável a disposição demonstrada pelo presidente Michel Temer e seu sucessor eleito, Jair Bolsonaro, para uma transição de governo em harmonia. Eles somam mais de seis décadas de experiência no Legislativo e sabem o valor dos símbolos na política.
Foi providencial o pedido de Bolsonaro a Temer para visitá-lo no Palácio do Planalto. Conversaram e, em seguida, o presidente conduziu o sucessor num breve passeio pelos gabinetes de governo. Bolsonaro, em entrevista, afirmou que pretende procurar Temer outras vezes para sintonia na transição, “de modo que os projetos de interesse do nosso Brasil continuem fluindo dentro da normalidade” .
Pode parecer um ato corriqueiro no ritual da democracia, mas não custa lembrar que data de 15 anos a mais recente referência de uma transição harmoniosa num quadro de alternância de forças políticas. Foi quando Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, passou a faixa a Lula, do PT.
As cenas protagonizadas por Temer e Bolsonaro, quarta-feira em Brasília, ocorrerem após uma eleição pontuada pela retórica da antipolítica, na qual adversários se trataram como inimigos, empenhados em batalhas imaginárias por questões típicas dos tempos da Guerra Fria.
Ficou visível o esforço do presidente eleito para reiterar sua plena submissão à Constituição. Disse-o no Congresso e repetiu em visita ao Supremo Tribunal Federal.
Precisava fazê-lo. Apreensões sobre o curso da democracia emergiram durante a campanha no compasso das retóricas inflamadas, por vezes emolduradas na memória do autoritarismo do regime militar. Não se deve esquecer, porém, que Bolsonaro foi parlamentar por 27 anos sob as regras constitucionais hoje vigentes.
A vida no Congresso pode não mudar personalidades e convicções, mas obriga todos, deputados e senadores, à rotina da negociação, do pragmatismo, da contemporização, enfim do exercício da política para conquista de maiorias nos plenários. Político em isolamento não sobrevive naquele ambiente.
Governo é diálogo e cooperação efetiva entre Executivo, Legislativo e Judiciário. As instituições funcionam em interdependência, balizadas pela Constituição. E ela prevê, por exemplo, um período de transição até a transferência do poder.
Bolsonaro e Temer parecem ter noção do que isso significa no regime democrático. Deve-se reconhecer como saudável a abertura do ritual de passagem em plena harmonia. É disso que o país mais precisa, atualmente.
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