A possibilidade de aprovação de uma reforma da previdência a curto prazo está diminuindo. Se Jair Bolsonaro não demonstrar um propósito claro sobre o tema, firmeza e determinação - e não titubeios e indecisões -, poderá desperdiçar um bom tempo do início de seu mandato, período em que estará no auge de seu prestígio político, sem aprovar as mudanças, com consequências nefastas para a economia.
Não se trata apenas do fato de a equipe do presidente eleito ter uma proposta substancialmente diferente da que está pronta para ser votada no Congresso, que foi abalroada pelo declínio político de Michel Temer após o episódio das conversas com o empresário Joesley Batista. Há hesitação em Jair Bolsonaro e no círculo a seu redor, sobre a própria proposta de campanha e indecisão sobre quais os atalhos que poderiam ser usados para "aprovar alguma coisa" a esse respeito ainda na atual legislatura.
Um dos pontos principais da proposta de Bolsonaro é o sistema de capitalização. Há fundadas dúvidas sobre o custo da transição do regime atual para o futuro, quando o Estado enfrenta déficits sucessivos. Esse é um problema que Bolsonaro foi eleito prometendo resolver. Mas, nas declarações que deu depois de eleito, Bolsonaro ainda não parece seguro do que fazer e disse ter "desconfiança" de sua proposta para corrigir a rota de gastos desastrosa da previdência.
Seu futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, tem predileção pela fórmula da capitalização, mas agora estuda dez propostas sobre o tema. Ele não tem dúvidas de que o atual sistema de repartição é péssimo e sua continuidade, "um crime" para as futuras gerações. Bolsonaro não tem mostrado tal ímpeto reformista, e, quando fala sobre o tema, sugere um tom gradualista e não muito compromissado.
Levadas ao pé da letra, as palavras do presidente eleito marcariam um retrocesso mesmo em relação à já aguada reforma que sobrou do governo Temer. "O grande passo, no meu entender", disse, é tentar "passar para 61 anos o serviço público para homens e 56 anos para mulheres", para ele "um bom começo". No mesmo dia, usou argumentos que não seriam estranhos em adversários de uma a reforma profunda: "Devemos honrar nossos contratos", afirmou à TV Aparecida. "Não podemos simplesmente mudar uma regra no meio do caminho sem levar em conta o ser humano que pode ter sua vida completamente modificada".
É natural e previsível, logo após a eleição, a dúvida na calibragem de políticas a serem executadas e o melhor meio de realizá-las, embora o atual grau de indecisão sobre a mais importante e urgente das reformas contraste com a alta ambição das mudanças que a equipe de Bolsonaro quer fazer na economia.
A irresolução, porém, traz algum desgaste político. Não se sabe qual é a "alguma coisa" da reforma que está parada no Congresso que o presidente eleito gostaria de ver aprovada já. Não deve ser a reforma toda, embora Paulo Guedes tenha insinuado que é disto que se trata ao dizer que "aprova-se a reforma que está aí, rápido" e se tira "essa nuvem negra do horizonte".
À primeira manifestação de algo pressentido como "pressão" da equipe de Bolsonaro, os parlamentares responderam com sinais de que não estão dispostos a mover uma palha pelas mudanças na previdência. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, continua dizendo, ontem como hoje, que a reforma será votada "quando houver votos". O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), que fracassou nas urnas, foi explícito e afirmou que a reforma não será sequer pautada.
A equipe do presidente eleito insinua que vai tentar agora o que o time de Temer tentou e desistiu, isto é, descobrir o que na reforma não depende de mudança constitucional, que possa ser aprovado por maioria simples. Os pontos principais e decisivos, porém, são o que delas precisam, com aprovação de dois terços nas duas Casas.
Bolsonaro deve então iniciar seu mandato com a reforma da previdência na estaca zero, se levar à frente a proposta de Guedes, ou contentar-se com o texto que está no Congresso. Supondo-se que tudo corra bem com Jair Bolsonaro, sua aprovação pode consumir boa parte do ano de 2019, se houver uma forte coordenação política e relações cordiais com o Congresso. Há predisposição de apoio ao novo presidente no Congresso. Clareza de propósitos e prioridades poderiam encurtar este caminho.
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