- Folha de S. Paulo
Governo de transição em transe cria atritos com Congresso, diplomacia, militares e na economia
Bastaram dois dias de estranhamento com o Congresso para que o governo de Jair Bolsonaro fizesse dívidas mesmo antes de assumir. A falação destrambelhada causou o prejuízo do aumento de salários de servidores e noutras frentes.
Dá para corrigir. Pode ser compreensível a desordem de equipes e projetos em fase de montagem. Mas Bolsonaro e sua equipe de transição têm de entender logo que o show da campanha já terminou e que palavras têm consequências. Desculpe os clichês horrendos, mas a culpa não é do jornalista.
O tumulto falante do governo de transição foi um dos detonadores da bomba que este Congresso explodiu nesse seu fim de festa lamentável.
O reajuste do Supremo é um estouro adicional das contas públicas, federais e estaduais. Não é um lamento contábil: haverá consequências políticas e sociais.
O reajuste vai elevar o gasto com salários nos estados. Vai afetar até São Paulo, que tem contas em relativa ordem. Em Minas, Rio e Rio Grande do Sul, vai piorar situações críticas ou desastrosas.
Muito se disse nos últimos cinco anos que parte da grande revolta do eleitorado se deve a serviços públicos precários, saúde, escola e polícia ruins, em geral responsabilidade de estados e cidades. Mas a conta do mau humor popular fica em parte para o governo federal. Agora, quem tem de pagá-la é Jair Bolsonaro.
A situação dos serviços públicos básicos não melhoraria tão cedo, pois a economia ainda está praticamente estagnada, estados grandes estão quebrados e dois terços deles gastam além da conta com salários e aposentadorias. O reajuste do Supremo apenas agrava essa situação.
Além do mais, o tumulto falante do governo de transição criou atritos diplomáticos com chineses e árabes e alarmou o Mercosul.
Consternou o público especializado com declarações disparatadas sobre Banco Central, câmbio, IBGE e dívida pública. Dificulta a já quase impossível aprovação de alguma reforma da Previdência ainda neste ano.
A nomeação de muitos militares para comandos-chave no governo cria atritos políticos nas Forças Armadas ou pelo menos entre aqueles comandantes que disputam o Ministério da Defesa.
A grande ambição reformista de Bolsonaro já causaria problemas grandes, administrativos e políticos.
Grandes reformas têm custos gerenciais e políticos. Como quase tudo mais, capacidade administrativa e recursos políticos são escassos.
Mesmo a reorganização dos ministérios precisa passar pelo Congresso. Reformas das instituições abrigadas pelos ministérios em extinção ou atingidos por meteoros dependem até de mudança da Constituição (caso de Previdência, Fundo de Amparo ao Trabalhador, FGTS e das terras indígenas, para ficar apenas em exemplos complicados de amargar).
O plano liberal do hiperministro Paulo Guedes é elogiado da boca para fora por muito empresário, que defende mais sua empresa ou setor do que o mercado. Enxugar proteções setoriais e comerciais, subsídios e regimes especiais de impostos tende a ser uma luta.
Fernando Collor não caiu apenas porque seu governo estava cheio de rolos, mas porque parte do Congresso pegou ojeriza do seu cesarismo alucinado e porque o empresariado queria vê-lo pelas costas (além de confiscar dinheiros e do governo inepto, começou a abrir a economia, a defender mercados mais livres).
Cada vontade do presidente bate em problemas técnicos e políticos. Governo não é lacração de rede social.
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