- Folha de S. Paulo
Barreira mais difícil de quebrar é provavelmente o corporativismo
A dificuldade para levar médicos às áreas mais remotas do país fez com que o governo Dilma Rousseff apelasse aos profissionais cubanos. O discurso de campanha de Jair Bolsonaro, que prometeu rever o Mais Médicos e falou até em romper relações diplomáticas com Havana, fez com que o governo cubano cancelasse sua participação no programa, criando desde já um embaraço para a futura administração. A saída dos cubanos deixará em aberto 8.332 vagas em 2.885 municípios, dos quais 1.575 contam exclusivamente com estes profissionais.
Os médicos brasileiros sempre alegaram duas razões principais para não ir para os rincões. Prefeitos das localidades mais desassistidas prometiam salários nababescos para atrair os profissionais, mas rapidamente atrasavam os pagamentos, quando não deixavam de realizá-los inteiramente, e as condições de trabalho eram deploráveis, com postos de saúde que ofereciam pouco mais do que gaze, esparadrapo e meia dúzia de drogas.
O Mais Médicos, ao federalizar o pagamento do salário, resolveu a primeira dificuldade, mas não fez nem cócegas na segunda. E, diante das restrições fiscais e da própria lógica da gestão da saúde, não se vislumbra solução para este problema nem em curto nem em médio prazos.
É possível que um sistema de bonificações, como pontos extras nas provas de residência e descontos em dívidas do Fies, ajude a atrair recém-formados para o programa, mas dificilmente será suficiente para resolver todo o déficit. Mesmo com os cubanos havia cerca de 2.000 vagas não preenchidas no Mais Médicos.
Uma solução seria mandar para os locais mais remotos agentes de saúde, enfermeiros, ou mesmo médicos sem o Revalida, permitindo que façam os diagnósticos e prescrevam medicamentos. O obstáculo aí é o corporativismo médico, que conseguiu inscrever em leis uma formidável reserva de mercado. Essa é provavelmente a barreira mais difícil de quebrar.
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