- Folha de S. Paulo
Trunfo divide o bônus dos acertos com o presidente, mas o ônus do fracasso é de seu detentor
O mercado não cooptou Jair Bolsonaro. Nem os militares. Nem mesmo os deputados facebookeiros eleitos na esteira do capitão. O novo presidente não é uma raposa da política, que conhece todos os truques do centrão. Ele é um ouriço: sabe bem apenas uma coisa. Bolsonaro fica eriçado cada vez que suas redes sociais irradiam indignação.
Bolsonaro confunde as antenas tradicionais. Presidente eleito, comporta-se como um antipresidente. Criado na hierarquia da caserna, tornou-se um delegador de tarefas. Distribui cartas brancas como medalhas do Pacificador (a lista de beneficiários da comenda do Exército ocupou 22 páginas neste ano).
Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, recebeu duas delas: uma para nomear Joaquim Levy para o comando do BNDES; outra, na nomeação do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.
Guedes tem usado a carta branca com prudência. Liberal de raiz, daqueles que leriam Milton Friedman na laje (na “penthouse”, mais apropriado), o economista montou um time experiente. Manterá no futuro governo quadros competentes da gestão Michel Temer e trará outros.
Mas Bolsonaro não gosta de economistas. “Quem ferrou o Brasil foram os economistas”, disse nesta segunda-feira (19). Sempre que livre, navega de acordo com a maré de suas redes. Embora tenha uma espinha dorsal comum, antipetista, a militância do capitão não é reformista. São tribos com déficit de likes atrás de reconhecimento. Bolsonaro falou com elas —e as ouve.
O mercado estabeleceu um sarrafo para o presidente eleito: a reforma da Previdência. Se sua opinião pública aprovar, vai adiante. Caso contrário, a carta branca será a antessala do velho bordão “estar prestigiado”, expressão da crônica política brasiliense pespegada pelos presidentes de plantão a todos os ministros que estão pela bola sete.
A carta branca não é um coringa. Ela divide o bônus dos acertos com o presidente, mas o ônus do fracasso é de seu detentor.
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